É imponente a Quinta do Vesúvio, propriedade que tal como Roma, Lisboa e S. Francisco se estende por sete colinas, sendo que há quem lhe acrescente ainda uma amplitude de 30 vales. É, de facto, um monumento espelhado no Douro, um símbolo da grandiosidade da região vinhateira, do arrojo e valentia com que foi moldada a paisagem justamente consagrada na lista do Património Mundial da Unesco.

Muitas vezes designada como "a quinta de todas as quintas", não só pela dimensão e enquadramento mas também pela qualidade das suas uvas e vinhos, a propriedade está agora a assinalar 200 anos. Mas é bem mais longa a sua história. Desde 1989 propriedade da família Symington, os registos documentais dão conta da sua existência pelo menos desde meados do século XVI (1565), sendo os dois séculos que agora se assinalam a data desde que se reconverteu à vinha e ao vinho.

Originalmente dedicada à produção de cereais, citrinos, amêndoas e figos, a Quinta das Figueiras, como se chamava, foi adquirida em 1823 ao Conde da Lapa por António Bernardo Ferreira, tio e futuro sogro da Ferreirinha, a célebre Dona Antónia. Foi ele que iniciou a gigantesca e visionária obra de reconversão na Quinta do Vesúvio, como se passou a chamar desde então.

"Nela plantou um vinhedo numa escala nunca antes vista no Douro", como registam os arquivos do Património Arquitectónico. A obra que demorou 13 anos até ficar concluída, incluindo a construção da adega, armazém, capela e "palacete barroco em forma de U, constituído por dois edifícios simétricos unidos por um pático central com uma enorme palmeira".

Foi neste cenário imponente que na última semana o grupo Symington quis assinalar os dois séculos da história vinhateira da quinta. Lançando novas colheitas de Vesúvio e vinhos inovadores, mas homenageando também a visão, arrojo e dimensão da obra da dinastia Ferreira. Cuja memória, é justo realçar, está primorosamente cuidada e preservada em cada recanto da propriedade. Da capela, uma jóia barroca (roubaram os santos), palco para um singular concerto de cordas — Manuel de Oliveira, IAN e Custódio Castelo —, ao mobiliário e aposentos do palacete, passando pelos monumentais lagares de pedra, onde ao ritmo dos fados de Ana Paula Martins teve lugar a divertida lagarada. 

Johnny Symington, actual chairman da empresa, quis mesmo destacar a dimensão da obra levada a cabo pela família Ferreira, lembrando o amplo recurso à dinamite para conquistar para a vinha as íngremes encostas rochosas num tempo em que não tinha chegado o comboio e foi preciso construir também casas e escola para acolher trabalhadores e famílias.

Uma obra também visionária, tendo em conta que à época aquela era uma zona ainda afastada da produção de vinho, isolada pelo salto da Sardinha e cachão da Valeira, que impediam a navegação, e por isso mesmo não incluída na região demarcada. Mesmo assim, o Vesúvio era já para os Ferreira o futuro do Douro.

Uma saga de arrojo e visão de futuro, que levou até a que, nos tempos da desgraça da filoxera, Dona Antónia tenha decidido construir um gigantesco muro em volta da quinta, só para manter os cerca de meio milhar de trabalhadores e suas famílias. Uma obra estranhamente pouco conhecida, mas que ainda lá está para que não restem dúvidas do arrojo e determinação dessa mulher lendária. Não, não é a muralha da China, mas conjugando os 326 hectares da propriedade – a vinha ocupa actualmente quase metade –, os oito quilómetros de frente de rio, as tais sete colinas e 130 vales, é possível ter uma ideia das dezenas de quilómetros da muralha do Vesúvio.

Agora, que os barcos navegam placidamente pela frente da quinta, simbólico e curioso é registar que naquele tempo também António Bernardo Ferreira II, marido de Dona Antónia, tenha apostado na navegação. Além do vapor Porto, que fazia transporte de passageiros entre Lisboa e Porto, comprou em 1938 outro em Liverpool a que deu o nome de Quinta do Vesúvio.

Se o Douro fosse então navegável, a Ferreira teria sido também pioneira no transporte fluvial.