O Conselho de Estado não é de confiança
Alguém quis criar uma intriga política e não olhou a meios para o conseguir. E pior: foi muito bem-sucedido.
Entre os participantes na reunião plenária do Conselho de Estado está a pessoa que violou o sigilo. Foi assim que veio a público que António Costa esteve em silêncio durante a reunião. A gravidade desta violação é enorme. O carácter não público das reuniões está na Constituição e o regimento deste órgão diz-nos que as atas só podem ser consultadas ou divulgadas passados 30 anos, através de solicitação ao Presidente da República.
Isto significa que os membros do conselho participam nos trabalhos, e dão os seus contributos, no pressuposto da confidencialidade. Entendeu o legislador constitucional que esta condição é essencial para o bom andamento dos trabalhos. Ora, estamos a falar de aconselhamento ao Presidente da República e pronúncia sobre temas fundamentais da vida democrática. Não estão ali para tratar de assuntos de expediente.
Uma fuga de informação tem necessariamente implicações no funcionamento futuro do Conselho de Estado, ou seja, os conselheiros terão presente que o que se passar ali poderá vir cá para fora. Não estarão reunidas as condições que a Constituição definiu como essenciais ao funcionamento daquele órgão. Há aqui uma evidente degradação de princípios que estão defendidos ao mais alto nível.
Por outro lado, é dado a ver aos portugueses que personalidades com responsabilidades políticas e institucionais não estão à altura do compromisso que assumiram e desonram as suas funções. Milhares de portugueses guardam sigilos vários em razão das suas profissões. Estamos a falar de advogados, de profissionais de saúde ou até de quem assume essa obrigação contratualmente. O que seria desrespeitar esse dever. O exemplo que nos chega do Conselho de Estado é vergonhoso.
Não devíamos saber, mas soubemos, que António Costa esteve em silêncio durante o Conselho de Estado. E claro que existem dois temas aqui: a fuga de informação e o significado do silêncio de António Costa.
Acontece que falar no segundo tema implica ignorar a importância e gravidade do primeiro. Se é desculpável que o façamos em privado, já não é quando o tema é trazido ao debate público. Lamentavelmente, é o que tem acontecido nos últimos dias e por parte de quem tem responsabilidades acrescidas na defesa do funcionamento das instituições.
É o caso de Luís Montenegro, que fez do silêncio de António Costa um tema central nas suas intervenções, ignorando que soube desse silêncio porque alguém incumpriu um dever fundamental. Luís Montenegro tirou conclusões sobre conclusões em relação ao comportamento de Costa, chegando ao cúmulo de dizer que o país precisa de um Governo liderado por um primeiro-ministro com “outro sentido institucional”. A piada faz-se sozinha. Não há melhor concretização de falta de sentido institucional que comentar informações que não deveriam ter sido reveladas. Luís Montenegro é a pessoa que ouve uma chamada telefónica entre duas pessoas, uma chamada que claramente não deveria ter ouvido, e vai para os jornais comentar a conversa. Desculpem, mas é igual.
Mas Marcelo Rebelo de Sousa não andou melhor. Desde logo, não criticou a fuga de informação e sobretudo atirou-se a comentar o silêncio de António Costa. Neste caso, e porque estava na reunião, ao fazê-lo confirmou a informação divulgada pela fuga. Ficámos a saber que é mesmo verdade que Costa esteve em silêncio. Os comentários de Marcelo chegaram ao ponto de manifestar alívio por o significado do tal silêncio não ser contra a sua pessoa: “Eu ouvi há bocado o senhor primeiro-ministro desmentir notícias de hoje segundo as quais o seu silêncio era contra o Presidente da República. Eu tinha lido essas notícias, tinha ficado estupefacto com elas.” Muito bem, as relações entre o Presidente e o primeiro-ministro agudizam-se e amenizam-se ao sabor de reações públicas a fugas de informação.
Reparem que António Costa, que esteve bem neste caso e essa justiça deve ser-lhe feita, não tinha confirmado o conteúdo da fuga de informação. Foi Marcelo quem o fez. Costa ainda teve o bom senso de comentar a gravidade do que está aqui em causa: pelo menos um dos membros do Conselho de Estado anda a brincar à comunicação social com matérias sigilosas. Alguém quis criar uma intriga política e não olhou a meios para o conseguir. E pior: foi muito bem-sucedido.
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico