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Entrar nestas casas em Cuba “é como entrar numa cápsula do tempo”
Em Cuba, as pessoas vivem dentro de casas sobrelotadas, em ruína. Jo Kearney conta que “é como entrar numa cápsula do tempo”, onde reinam a pobreza e as “mobílias e televisões dos anos 1950 e 60”.
Cuba foi uma das economias mais desenvolvidas da América Latina, entre as décadas de 1920 e 1950. Antes da revolução que colocou Fidel Castro no poder, o turismo era a terceira principal fonte de receita do país. Os hotéis de luxo, os casinos, clubes náuticos, os faustosos carros importados, em conjunto com a monumental arquitectura colonial, tornavam Havana uma capital cosmopolita, efervescente, especialmente interessante para o turista norte-americano que, entre 1919 e 1933, queria escapar à Lei Seca.
Da Cuba desses anos restam apenas vestígios, deteriorados pelo tempo. A britânica Jo Kearney, que visitou o país em 2022 e 2023, trouxe o retrato das condições de vida actuais dos cubanos, que enfrentam uma das mais profundas crises da história do país, na sequência da pandemia e de um mais recente conjunto de sanções imposto pela administração Trump (e mantido pela de Joe Biden). "A primeira vez que estive em Cuba foi em 1994", conta a jornalista, em entrevista ao P3. "Decidi regressar em 2022 porque estava interessada em perceber como as pessoas vivem."
Em Cuba, Jo Kearney percebeu que "quase todos os edifícios se encontram em condições terríveis", descreve a jornalista que colabora com a Associated Press na sinopse do projecto Cubans at Home (Cubanos em Casa, em tradução livre). "Apesar disso, as pessoas continuam a viver dentro deles, uma vez que se verifica uma situação de escassez habitacional severa."
Após a revolução de 1959, que colocou Castro no poder, "muitos proprietários fugiram do país", contextualiza Kearney. Nesse período turbulento, muitas famílias ocuparam os edifícios abandonados, dividindo-os entre si. Cada família passou a ocupar uma divisão de cada casa, que tinha quase sempre uma área insuficiente para o número de pessoas que passariam a ocupá-la. O pé-direito altíssimo de cada andar tornou possível dividi-lo em dois, verticalmente, quase duplicando a área destinada a cada família. Assim, embora sejam edifícios enormes, vivem neles dezenas de pessoas em condições de sobrelotação. "As varandas são divididas por todos." Mas há excepções. "Aqueles que não chegaram a fugir do país em 1959 continuam a ocupar edifícios inteiros e a ter melhores condições de vida do que os restantes", observa a fotógrafa e videógrafa.
Não foi desafiante a tarefa de entrar nessas residências, conta a britânica que teve uma das imagens do projecto premiado no concurso International Portrait Photographer of the Year, cujos vencedores foram revelados no P3. "As pessoas vivem praticamente no exterior, porque as casas são tão quentes e tão sobrelotadas. É fácil abordar as pessoas no exterior, não é necessário bater às portas." A maioria "ficou contente" por deixar Jo entrar. "As sanções económicas e a pobreza tornaram impossível modernizar os interiores ou comprar mobílias novas", por isso, a experiência assemelha-se a "mergulhar noutra era".
"É como entrar numa cápsula do tempo", compara a britânica. "As mobílias antigas, as televisões dos anos 50 e 60, os azulejos espanhóis", enumera, "tudo isso é muito bonito, muito fotogénico". O caos e a ruína, no entanto, deixam bem claro "o desespero real" de quem vive naquelas condições. "Durante a pandemia, a maioria das pessoas que dependia do turismo ficou sem rendimento." Acresce a isso a recente medida do governo de Miguel Diaz-Canel que tinha como objectivo extinguir uma das moedas em circulação no país, que provocou, aliada a factores externos, uma crise inflacionária que atingiu os três dígitos.
Embora a jornalista não queira conferir ao projecto um tom político, alerta para a existência de um embargo norte-americano que coloca Cuba numa permanente situação de ruptura. "Ajudaria vermos o fim do embargo." As sanções impostas sobre Cuba em 1962 tinham como objectivo, de acordo com o documento assinado pelo então Presidente norte-americano John F. Kennedy em 1960, "negar dinheiro e bens a Cuba, de forma a fazer decrescer salários, trazer fome, desespero e fazer cair o governo".
O embargo mais longo do mundo atingiu todos os objectivos, excepto o último, o de provocar a queda do regime comunista. Apesar da evidente ineficácia política e do efeito nefando sobre a população, não parece haver um fim à vista para o embargo que dura há mais de 60 anos. Nem as 29 tentativas de colocar-lhe um fim, levadas a cabo pelas Nações Unidas, tiveram efeito na reversão das medidas que não condicionam apenas a troca de bens entre Cuba e os EUA, mas também entre Cuba e todos os países do mundo, que são penalizados por Washington caso decidam fornecer ou importar bens do estado cubano.