Contratos de trabalho são os únicos documentos associados à demissão de docente russo de Coimbra

A reitoria da Universidade de Coimbra tinha conhecimento da contratação de Vladimir Pliassov, como o PÚBLICO noticiou, e não há “outro tipo de dados” no processo de demissão do professor de russo.

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Amílcar Falcão, reitor da Universidade de Coimbra, afirmou que tinha baseado a demissão em pareceres jurídicos que, afinal, não estão entre os documentos do processo ADRIANO MIRANDA

Os documentos que sustentam o processo de demissão do professor russo Vladimir Pliassov da Universidade de Coimbra são os contratos de trabalho celebrados com o docente, segundo a documentação enviada à agência Lusa pela instituição académica.

A agência Lusa tinha pedido, a 26 de Maio, o acesso aos documentos associados ao processo que levou à demissão do professor Vladimir Pliassov, um dia após dois activistas ucranianos terem acusado o docente de “propaganda russa”.

Depois de a Universidade de Coimbra se ter recusado a enviar ou permitir acesso aos documentos associados ao processo que levou à demissão do docente Vladimir Pliassov – e a que o PÚBLICO também tinha pedido acesso –​​, a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), após queixa da Lusa, emitiu um parecer que determinou o envio de todos os documentos que sustentavam a decisão, nomeadamente pareceres jurídicos, provas documentais e outros.

Em resultado dessa decisão, a Universidade de Coimbra enviou à agência Lusa três documentos: o contrato de trabalho que Vladimir Pliassov celebrou com a instituição entre o ano lectivo 2019/2020 e Agosto de 2022 (altura da sua aposentação); o contrato a título gracioso celebrado para o ano de 2022/2023; e o despacho reitoral que determinou a cessação desse último contrato de trabalho.

Nenhum dos documentos enviados corresponde a qualquer tipo de prova documental que sustente as acusações que tinham sido lançadas por dois activistas ucranianos um dia antes da demissão, a 10 de Maio deste ano, e um dos documentos (o contrato a título gracioso) contraria aquela que tinha sido a posição da reitoria da Universidade de Coimbra, de que não teria tido conhecimento desse mesmo acordo entre a Faculdade de Letras e Vladimir Pliassov para o ano de 2022/2023. A contratação foi autorizada pelo vice-reitor Luís Neves, a 7 de Julho de 2022, como o PÚBLICO revelou em Junho último.

Despacho de demissão não esclarece motivos

Já o despacho assinado pelo reitor da Universidade de Coimbra, Amílcar Falcão, que determina a cessação da relação contratual com Vladimir Pliassov, não faz qualquer referência à acusação de “propaganda russa” de que o professor era alvo ou de comportamento do docente que motivaria a sua demissão. Nesse despacho, o reitor indica que “não é do interesse da Universidade de Coimbra manter a vigência do referido contrato”, terminando o vínculo, ao abrigo das competências que lhe são atribuídas pelos estatutos da instituição, num despacho assinado a 10 de Maio.

O despacho, que dá conta dos contratos celebrados previamente com o docente, não faz qualquer referência a algum tipo de acusações contra o professor e antigo director do Centro de Estudos Russos da Universidade de Coimbra. Num primeiro comunicado, enviado logo a 10 de Maio, a Universidade de Coimbra referia que estavam em causa “actividades lectivas do referido Centro de Estudos Russos” que “estariam a extravasar esse âmbito”, mas, até à data, a reitoria da Universidade de Coimbra não esclareceu quais as “actividades” em causa.

Amílcar Falcão também referiu publicamente que a decisão teria sido tomada com base em pareceres jurídicos, mas nenhum documento dessa ordem foi enviado à agência Lusa.

Confrontado pela Lusa sobre essa questão, o gabinete de comunicação da Universidade de Coimbra diz que o reitor “contou com o apoio jurídico dos serviços da Universidade de Coimbra, previamente à tomada de decisão”. Sobre a ausência de qualquer documento que remeta para um parecer jurídico dos serviços, a mesma resposta refere que o parecer está “vazado no corpo do despacho de cessação”, com referência à norma que suporta a decisão de demitir Vladimir Pliassov.

Logo após a decisão, Amílcar Falcão tinha recusado explicar os factos que sustentavam a demissão do docente russo, mas assegurava que as suas decisões eram “fundamentadas” e tinham “sempre um tempo de amadurecimento”. “Os factos são muito complexos”, afirmou, na altura, à agência Lusa, o reitor, assegurando que tinha na sua posse “outro tipo de dados”.

Após a cessação de contrato, surgiram dois abaixo-assinados, um de docentes e investigadores da Universidade de Coimbra, contra a forma como Vladimir Pliassov tinha sido demitido, outro só de professores da Faculdade de Letras, a exigir uma abertura urgente de um processo de averiguação dos factos associados à demissão. O pedido de audição de Vladimir Pliassov chegou ao conselho geral da universidade, principal órgão de fiscalização da reitoria (e onde o reitor é eleito), mas a proposta foi chumbada pela maioria dos membros deste órgão no final de Junho.