4.0
Leituras em dia
Uma newsletter de João Pedro Pereira sobre inovação, tecnologia e o futuro.
Ocorreu um erro. Por favor volta a tentar.
Subscreveu a newsletter 4.0. Veja as outras newsletters que temos para si.
Gosto de pensar que alguns leitores terão notado que esta newsletter fez uma interrupção de duas semanas. Para quem trabalha num jornal, o regresso de férias é, com alguma sorte, o momento para pôr leituras em dia. Foi o que aconteceu e, por isso, partilho aqui (com breves comentários) alguns dos temas com que me cruzei hoje.
Apple e os problemas de fabrico
Há pelo menos uma semelhança entre os óculos Vision Pro, que a Apple apresentou há um mês, e o primeiro iPhone: ambos foram revelados antes de estarem prontos para serem produzidos em massa e colocados no mercado.
O Financial Times descobriu que a Apple está a ter problemas na cadeia de produção dos óculos (a Apple dá ao dispositivo epítetos um pouco mais hiperbólicos, mas simplifiquemos). As dificuldades estão a colocar em causa o que seriam as expectativas internas de vender um milhão de dispositivos no próximo ano.
Os óculos foram mostrados a 5 de Junho, com a empresa a apontar o lançamento do dispositivo, que custará 3500 dólares, para algures no início do próximo ano.
Porém, segundo o FT, a única empresa que será inicialmente responsável por montar os Vision Pro (uma fabricante chinesa chamada Luxshare) prevê fazer menos de 400 mil unidades no próximo ano. O fornecimento dos ecrãs ultra-sofisticados é um dos obstáculos.
A propósito de cadeias de produção, um outro artigo também no FT dá conta de como o Vietname se está a posicionar para se tornar um fornecedor das grandes empresas tecnológicas. O país espera capitalizar a tensão geopolítica que leva alguns negócios a quererem reduzir a dependência da China.
É um tema que já aqui tínhamos abordado: concorrer com alguma da manufactura complexa de que a China é capaz não é algo que se faça da noite para o dia. Mas o Vietname tem um triste trunfo: o custo da mão-de-obra é muito inferior ao dos trabalhadores na China. Em 2020, os trabalhadores fabris vietnamitas recebiam menos de metade do que os chineses.
Musk a ser Musk
O Twitter de Elon Musk tem feito jus ao conceito de ser uma rede social para acompanhar o que se está a desenrolar em tempo quase real – especialmente se o que está a acontecer são as erráticas estratégias de gestão do próprio Musk.
O empresário anunciou que os utilizadores teriam um limite do número de mensagens que poderiam ver por dia, num sistema de três patamares, consoante a sua relação com a plataforma: os utilizadores pagantes podem ver mais mensagens; seguem-se os utilizadores que não tenham uma subscrição; e, no fim, as contas mais recentes. Os limites ao certo? Dependem dos humores de Musk: começaram por ser entre 300 e 6000, mas aumentaram umas horas depois. E, para criar ainda mais confusão, há utilizadores que conseguem exceder os limites sem qualquer impedimento.
O Twitter não é usado por muitas pessoas, quando comparado com as outras grandes plataformas. Mas tem um peso institucional sem rival, dada a quantidade de políticos, media, e instituições públicas e privadas que o usam como um canal de comunicação oficial. O que lá acontece tem importância.
Musk disse que os limites pretendem acabar com a recolha massiva e automatizada de dados. Mas não falta quem argumente que se trata de uma estratégia comercial para tentar aumentar o número de pessoas com conta paga, numa altura em que as receitas publicitárias caem drasticamente.
A empresa já não é cotada, pelo que as contas não são públicas, mas há notícias de que as vendas de anúncios nos EUA (de longe o principal mercado para a rede social) caíram para menos de metade em Abril e Maio.
Entretanto, a nova CEO, Linda Yaccarino, não tem uma tarefa fácil em mãos; a Tesla teve um trimestre recorde em termos de volume de vendas (graças a uma estratégia de redução de preços); e a imprensa dedicou demasiada atenção à possibilidade de Musk e Mark Zuckerberg se defrontarem num ringue.
Má moeda?
A Binance, a maior plataforma de compra e venda de criptomoedas, e o seu fundador, Changpeng Zhao, parecem estar ainda em mais apuros do que quando os deixámos na última newsletter.
Segundo o site Semafor (uma interessante nova publicação co-fundada pelo antigo director do Buzzfeed News), Zhao está entrincheirado no Dubai e evita ir a França, para onde viajava frequentemente, porque a empresa está a ser investigada neste país por suspeitas de lavagem de dinheiro.
Independentemente das conclusões da investigação, é um episódio que pode pôr um ponto final ao que tem sido uma relação próxima. A Binance escolheu Paris como uma cidade-bandeira para a promoção das criptomoedas e, no ano passado, tinha recebido luz verde regulatória das autoridades francesas.
Já nos EUA, o regulador dos mercados financeiros processou a Binance por uma série de alegadas fraudes, incluindo ter desviado dinheiro dos clientes para operações de investimento (e para a compra de um iate).
"Um desastre à espera de acontecer"
A New Yorker publicou um extenso e interessantíssimo artigo sobre como o submersível Titan, que implodiu numa expedição ao Titanic, era "um desastre à espera de acontecer".
O texto descreve com muitos detalhes a história e os métodos de Stockton Rush, o CEO da Ocean Gate, a empresa que criou o Titan (e uma das pessoas que ia a bordo quando o veículo implodiu).
Da estrutura em fibra de carbono ao uso de um comando de videojogo para controlar o submersível, as muitas falhas e riscos eram conhecidas de várias pessoas no pequeno sector das viagens a grande profundidade. Tinham sido detalhadas num relatório por um antigo director da empresa, que acabou despedido por tentar fazer soar os alarmes. As autoridades também foram avisadas.
É fácil ler o artigo e encontrar paralelos com algumas das histórias de Silicon Valley, desde o antigo mote do Facebook – "move fast and break things" – ao caso de Elizabeth Holmes e da sua falhada tecnologia de análises clínicas. A história do Titan e de Rush é também uma história de ambição desmedida, de desrespeito pelas normas estabelecidas e de narrativas fantasiosas. E de uma hubris que termina em tragédia.
Até para a semana.