Como se sentem as vítimas de violência sexual?
A ausência de resistência não deve, assim, ser confundida com o consentimento para o ato sexual.
A violência sexual, nas suas várias manifestações, é uma das formas de violência que mais impacto tem não só sobre a vítima/sobrevivente, mas também sobre aqueles que lhe são mais próximos, sendo ainda, na quase totalidade das situações, um evento de natureza traumática.
Os mitos e os estereótipos relacionados com a violência sexual fazem com que persista a ideia de que se a vítima não se defendeu ou não gritou é porque desejava aquela situação, pressupondo-se que houve consentimento para o ato. Ora, a maioria das vítimas não tem oportunidade de se defender porque o agressor recorre frequentemente a estratégias como a confusão, o engano, a surpresa, as ameaças ou o abuso de autoridade resultante do seu estatuto. Por outro lado, e sobretudo as vítimas adultas, não se defendem porque têm receio de serem agredidas ou mesmo mortas. Outras situações de não reação devem-se à paralisação ou "congelamento" da vítima devido ao medo que experiencia.
A ausência de resistência não deve, assim, ser confundida com o consentimento para o ato sexual.
Outra questão que surge com frequência relaciona-se com a denúncia. Porquê só agora?
Muitas pessoas permanecem em silêncio e apenas denunciam a violência sexual de que foram vítimas meses ou mesmo anos mais tarde, por vários motivos:
- Por não compreenderem na altura, devido à sua imaturidade, que estavam a ser vítimas de violência sexual;
- Por medo de não serem acreditadas ou de sofrerem retaliações por parte do agressor, que em grande parte das situações é um familiar ou alguém do relacionamento próximo da vítima;
- Pela vergonha, receio de humilhação ou ridicularização;
- Pelo estigma (por exemplo, no caso dos homens vítimas, porque se acredita que "os homens só são abusados se quiserem" ou "são homossexuais") e pela culpa que, embora não sendo sua, carregam grande parte da vida;
- Pelo segredo que lhes é imposto pelo agressor e muitas vezes reforçado pela comunidade em geral. Existe ainda a perceção de que a denúncia "não vai levar a nada", o que se relaciona não só com o descrédito em relação ao sistema judicial, mas também com o estatuto do próprio agressor ou a ausência de vestígios físicos ou biológicos que sirvam de prova do crime.
Neste contexto, as vítimas sentem-se impotentes, com falta de controlo sobre a sua vida e o ambiente que as rodeia, com um medo intenso e avassalador que é revivido com frequência através de pensamentos/imagens ou sensações (por exemplo, odores) intrusivas e que as leva a permanecerem hipervigilantes, com dificuldade em confiar nos outros e a isolarem-se. Sentem, sobretudo nos primeiros meses, um estado de confusão e desorientação, revelam alterações nos padrões de sono (como insónia, agitação ou pesadelos) e alimentação (perda ou aumento de apetite).
A dor e o sofrimento podem ainda manifestar-se através de alterações psicossomáticas (por exemplo, dores de cabeça ou perturbações gastrointestinais), dificuldades sexuais ou comportamentos auto lesivos e tentativa de suicídio ou suicídio. Com frequência, as vítimas de violência sexual recorrem a estratégias de coping desadaptativas (como o consumo de álcool, drogas ou medicamentos), que embora atenuem um pouco aquela dor, acabam por tornar-se, mais tarde, num problema acrescido.
As emoções, essas, são avassaladoras e vividas em grande parte no silêncio da noite, às escondidas dos outros e fechadas dentro de si mesmo. Porque sentir também dói e pode perder-se o controlo e abrir a caixa de Pandora. Assim, ao medo, à vergonha e à culpa juntam-se a angústia e o desespero, a zanga e o nojo associado ao ecoar das palavras que foram ditas, à mão que tocou e que passados tantos anos ainda se sente como se fosse hoje, como se fosse agora.
Em particular, as vítimas de violência sexual no contexto da Igreja têm revelado também uma alteração ao nível das suas crenças religiosas, perdendo a fé em Deus e abandonando a participação nas práticas religiosas. Sentem-se especialmente traídas e enganadas, e deixam de acreditar.
Compreendemos a dor que sentem as vítimas de violência sexual no contexto da Igreja Católica em Portugal e por isso estamos aqui para as acolher, escutar e encaminhar.
Pode contactar o Grupo VITA através do telemóvel 91 509 0000 ou do email (geral@grupovita.pt). Saiba mais sobre nós em www.grupovita.pt
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico