Cartas ao director
O 16 de Março russo?
O que aconteceu na Rússia nos últimos dias não deixa de ser surpreendente, diria mesmo surrealista, e muita coisa há que vir a lume sobre a iniciativa do senhor Prigozhin e dos homens da Wagner. Alguém consegue explicar qual a razão que levou os revoltosos a pararem a 300 quilómetros de Moscovo? E os amotinados foram por ali fora sem serem incomodados pela forças russas, nomeadamente a Guarda Nacional? Mas alguém acredita que o chefe da Wagner tomou esta decisão de avançar para o centro do poder em Moscovo sem ter a cobertura de alguém do Kremlin, que tirou o tapete a Prigozhin porque teve receio de que o rápido avanço da Wagner abrisse caminho para uma guerra civil?
É tudo muito estranho, e quase me atrevo a dizer que este acto foi apenas um ensaio para algo mais sério em preparação, quase a fazer lembrar o 16 de Março de 1974 em Portugal, quando o RI5 das Caldas da Rainha avançou para Lisboa, na primeira parte de um filme que seria complementado um mês e uma semana depois, fatal para o regime marcelista.
Manuel Alves, Lisboa
A quem serve a degradação dos serviços públicos?
Enquanto o folclore mediático continua, a situação económica e social continua a degradar-se, adiando-se as respostas necessárias aos problemas reais que o país enfrenta. O aumento do custo de vida torna-se cada vez mais insuportável. Desvalorizam-se os salários e as pensões, enquanto sobem exponencialmente os lucros dos grupos económicos dominantes, intensificando-se um ataque deliberado aos serviços públicos, como tem acontecido, nomeadamente, na saúde e na educação, e pondo em causa a garantia de direitos fundamentais que a Constituição consagra. Na defesa do SNS tem sido escandalosa a delapidação de um serviço fundamental, com o permanente desinvestimento e não valorização das carreiras profissionais, ao invés das avultadas transferências financeiras para os grupos económicos que vivem do negócio da doença.
Pelo contrário, aprofunda-se o evidente desajuste entre a vida real e concreta das pessoas e os destaques mediáticos vigentes, com assuntos e temas que, independentemente da sua gravidade, são usados para esconder e desviar as atenções dos problemas que verdadeiramente afligem o país, e induzindo a falsa ideia de que a questão fundamental está em quem exerce o poder e não nos conteúdos das políticas praticadas. Valoriza-se o acessório, em detrimento do essencial e do que interessa para a vida das pessoas. A quem serve a degradação e delapidação dos serviços e bem públicos?
José Fernandes, Rio Tinto
A cara da justiça
Foi oportuno o escrito que o PÚBLICO de ontem exibe, referenciado com nomes de alguns notáveis operadores do mundo jurídico, ao apontar as decisões judiciais quilométricas como um dos factores retardatários da aplicação da justiça, que se quer realizada em tempo razoável mediante um processo equitativo. Assim deve ser na realidade, sendo certo que a chamada de atenção para este aspecto (além de outros) já remonta pelo menos a 2009, quando foi criada uma Comissão para a Reforma Criminal, e prosseguida em 2011 pelo Programa "Justiça Eficiente". Isto para dizer que boas intenções não têm faltado; daí o abaixo-assinado a que o PÚBLICO alude ter plena validade e actualidade.
Decorridos cerca de 46 anos sobre a implantação de um sistema jurídico democrático, a verdade é que este continua a movimentar-se em alta indefinição: as secretarias judiciais atoladas em processos; os expedientes dilatórios que as leis processual, civil, criminal e social e administrativa viabilizam (…); os megaprocessos com milhares de documentos e outras peças processuais, os quais, como se diz no escrito, serão quiçá susceptíveis de confundir a própria inteligência artificial; a fase de instrução criminal, transformada num pré-julgamento, controlada mais por um juiz instrutor/investigador em vez de um juiz de liberdades (veja-se o estado de processos como o Marquês e o BES, entre outros); o risco de prescrições, além de outros.
Enfim, entraves só ultrapassáveis mediante a adaptação e adequação de leis processuais, num sentido actualista, abreviando a tramitação do processo, e não facilitadora de expedientes processuais, ou dilatórios; por uma adequada formação da magistratura, passando pela dignificação posicional de todos os operadores judiciais e judiciários. Então, sim, terão sido dados passos certeiros para credibilizar a lei e a justiça.
António Bernardo Colaço, Lisboa