Atlas revela que saúde dos portugueses varia consoante os distritos onde vivem
É preciso investigar factores que levam a que existam tantas diferenças entre as regiões nas taxas de cesarianas ou nas complicações da diabetes, defendem investigadores
A saúde dos portugueses varia consoante os distritos onde vivem, o que pode dever-se às suas doenças, mas também ao acesso aos cuidados e aos recursos alocados, revela o primeiro Atlas de Variação em Saúde no Serviço Nacional de Saúde (SNS) português.
O documento, que será apresentado esta terça-feira em Lisboa, destaca as variações nas práticas de cuidados de saúde e nos resultados para os doentes, com o objectivo de ajudar os profissionais de saúde, decisores políticos e cidadãos a tomar decisões mais informadas, referem os autores.
Este projecto de investigação foi coordenado pelo Laboratório Colaborativo Value for Health CoLAB em colaboração com a Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa (ENSP-Nova).
Os investigadores ressalvam que o Atlas não pretende avaliar a qualidade dos hospitais, mas sim observar indicadores sobre os cuidados de saúde prestados à população residente em diferentes distritos, que podem ter várias justificações.
"O que este Atlas mostra é que conforme o distrito onde vivemos obtemos resultados da saúde diferentes que não resultam só das doenças e não resultam só da preferência dos cidadãos, podem resultar de questões de acesso à saúde, de questões de literacia e podem resultar de questões muito importantes de utilização ou de alocação de recursos", disse o cirurgião cardiotorácico José Fragata.
O estudo, que já foi realizado em vários países, apresenta 21 mapas, que incluem doenças associadas a um elevado esforço em número de procedimentos e consequente despesa para o SNS (doenças cardiovasculares, doenças respiratórias, diabetes, cesarianas, fractura da anca, doença mental grave).
Retrata o número de internamentos, a sua duração e a mortalidade, entre Janeiro de 2018 a 31 de Outubro de 2019, período que permitiu eliminar o impacto da pandemia de covid-19 na prática médica e definir este período como comparativo para futuras análises.
Segundo o especialista, já se sabia que havia uma variação em saúde (a esperada e a indesejável), mas não estavam à espera da amplitude que foi detectada: "É impensável que os resultados da saúde possam variar 3, 4 vezes conforme a região de um país que tem 89 mil km quadrados de área de superfície", o que pode significar "desperdícios, desigualdades". "Mesmo em relação à doença cardiovascular, tipicamente o interior e as regiões mais a Sul têm indicadores de saúde que se afastam do litoral", afirma.
O médico diz que é preciso investigar os factores que levam a que existam tantas diferenças entre as regiões do país, por exemplo, nas taxas de cesarianas, nas complicações da diabetes ou nas taxas de substituições de prótese da anca, para tomar decisões.
"Nós vemos muitas vezes agentes políticos ao mais alto nível dizerem que o Serviço Nacional de Saúde está melhor, porque se fizeram mais cirurgias, mais consultas, mas essa métrica do volume está ultrapassada. Eu não sei se fazer demais é aquilo que é preciso. Provavelmente fazer mais adequado é aquilo que será mais recomendável", adiantou, rematando que "este mapa mostra que, independentemente de se fazer demais, como dizem, há sítios onde se está a fazer de menos".
Variação pode não estar relacionada com qualidade
O estudo é "um contributo muito sério, não tem nada de política, nem de acusação, não é um ranking de qualidade, mas é verdadeiramente uma forma de levantar perguntas e causar desassossego", disse ainda. "Levantar perguntas que nos desinquietam a todos e pensar, por que é que um primo nosso que viva no extremo Trás-os-Montes há de ter resultados em saúde para várias doenças muito diferentes de um primo nosso que viva no litoral, no Porto ou em Lisboa ou noutro sítio".
Já no caso da DPOC [Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica], exemplificou a directora da ENSP-Nova, Sónia Dias, observa-se que os "cidadãos residentes em cidades do Norte do país acabam por apresentar taxas de internamento muito superiores" quando comparadas com as taxas de internamento de residentes "mais no interior ou mais no Sul" do país.
"Isto acontece de forma diferente e com perfis diferentes em diferentes doenças", disse Sónia Dias, ressalvando que a maioria das doenças com maior mortalidade e morbilidade têm causas multifactoriais sejam do cariz mais genético, demográfico, ambiental ou até comportamental que justificam as diferentes características epidemiológicas observadas nas regiões. Do ponto de vista da saúde pública, salientou, "o que é importante" é que grande parte destas causas podem ser evitadas ou previsíveis.
Alertou por isso para a importância da implementação de políticas e intervenções, por exemplo, na área da promoção da saúde e prevenção da doença, acrescentando que o aumento da doença crónica e o envelhecimento da população estão a colocar "uma enorme pressão nos sistemas de saúde de todo o mundo e o português não é excepção".
A directora executiva do Value for Health CoLAB, Ana Rita Londral, reforçou que o Atlas "não é para fazer um julgamento directo sobre uma determinada doença", mas para retratar "um pouco a variação e pôr todas as pessoas a pensar na origem dessa variação". "O perigo é concluirmos logo que a variação está relacionada com qualidade", porque há casos em que a variação pode ser justificada, disse a investigadora, rematando que o que se pretende é que o atlas seja "um instrumento de discussão".