No Primavera Sound, a testar drogas e dar apoio: “O importante é estar seguro”

É a primeira vez que a Kosmicare está no Primavera Sound. Faz drug checking, presta apoio psicológico e dá informações para uma noite mais segura. A primeira foi tranquila.

Kosmicare Primavera Sound 2023
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A Kosmicare está no Primavera Sound 2023 Ana Marques Maia
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A Kosmicare está no Primavera Sound 2023 Ana Marques Maia
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Foi uma noite tranquila, a primeira da Kosmicare, associação sem fins lucrativos que trabalha para reduzir riscos associados ao uso de drogas, no Primavera Sound. No contentor junto ao Palco Bits, onde estão a fazer testagem de drogas e têm uma equipa preparada para prestar apoio psicológico aos participantes do festival do Porto, o primeiro pedido de ajuda chega perto das quatro da manhã, através da equipa médica que patrulha o recinto.

Um rapaz sozinho, abatido, potencialmente a precisar de auxílio. Depois de localizado, há uma conversa para perceber o que está a acontecer, e um convite: “Queres vir até ali, relaxar um bocadinho?” Convite aceite.

Já no contentor, oferecem-lhe uma cadeira e um copo de água. A “visita” acaba por ser curta, porque entretanto já o rapaz se animou e quer voltar para junto dos amigos. Cristiana Vale Pires, da Kosmicare, acompanha-o (encontrar amigos na multidão não é fácil) e volta alguns minutos depois, depois de o jovem a ter dispensado. É preciso saber quando parar a intervenção, até porque “estamos a falar de adultos” que, naturalmente, têm livre-arbítrio.

A acção da Kosmicare é assim mesmo: “Às vezes é só estar ali com a pessoa. Se a pessoa estiver a 'tripar' 12 horas, mas estiver bem, está tudo bem”, explica Miguel Martinho. Habituados a festivais com mais ocorrências, como o Boom, ou até a Queima das Fitas, a primeira noite — da primeira vez que a associação está neste festival — é para apalpar terreno.

“Na Queima das Fitas, por exemplo, as ocorrências são relacionadas com conflitos, consumos e muitas crises de ansiedade. O espaço é mais pequeno e as pessoas ficam com ansiedade”, refere Joana Ribeiro. Aqui, talvez pela própria natureza do festival ou pelo facto de ser uma estreia da associação sem fins lucrativos no Primavera (com participantes que podem não conhecer bem a sua acção), não sabem muito bem o que esperar. Até pouco depois das 4h da manhã, tranquilidade.

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O contentor da Kosmicare Ana Marques Maia

Em festivais como este, “há muitas vezes casos de pessoas bêbadas, que têm dificuldade em lidar com isso, ou ficam com ansiedade e estão num sítio onde não se sentem protegidos”, acrescenta Miguel. A Kosmicare quer ser esse espaço de segurança.

Agora de luzes baixas e em silêncio (em contraste com o movimento que aqui se vivia de tarde, mas já lá vamos), é abrigo para quem pede para “sentar um bocadinho”, para se abrigar da chuva enquanto tenta arranjar um Uber para a namorada, ou para o casal que pergunta se “vendem preservativos?”, “Não, mas damos”, sorri Joana.

Além do apoio psicológico, a Kosmicare também disponibiliza preservativos, kits de sniff, e informação útil sobre drogas e sobre uma noite livre de sexismo e violência. E, entre as 18h e a meia-noite desta quinta-feira, testou as amostras de droga que chegaram ao espaço.

O serviço de drug checking (tal como o de apoio psicológico) vai estar disponível até ao final do festival. No horário referido, qualquer pessoa pode deixar uma amostra para teste e regressar mais tarde para conhecer o resultado. Assim foi durante a tarde, quando as luzes ainda estavam acesas e alguns curiosos paravam para olhar para o contentor. “O teu ácido passa no teste?”, pergunta o cartaz à porta.

A Kosmicare está a testar drogas junto ao Palco Bits Ana Marques Maia
A Kosmicare está a testar drogas junto ao Palco Bits Ana Marques Maia
A Kosmicare está a testar drogas junto ao Palco Bits Ana Marques Maia
A Kosmicare está a testar drogas junto ao Palco Bits Ana Marques Maia
A Kosmicare está a testar drogas junto ao Palco Bits Ana Marques Maia
A Kosmicare está a testar drogas junto ao Palco Bits Ana Marques Maia
A Kosmicare está a testar drogas junto ao Palco Bits Ana Marques Maia
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A Kosmicare está a testar drogas junto ao Palco Bits Ana Marques Maia

Lá dentro, na parte de trás do contentor, já há testes a serem feitos. Vão permitir perceber que substâncias estão presentes na amostra ou, em alguns casos, em que quantidade (pode haver uma concentração demasiado alta de uma determinada substância). O objectivo é garantir um consumo mais seguro e informado: “Não tentamos dissuadir a pessoa de consumir, mas ajustar as suas expectativas”, refere Daniel Martins.

As amostras vão chegando. “Cristal, pastilha e cocaína”, diz outro membro da equipa que traz três saquinhos para dentro. “Até agora, o esperado. Algumas adulterações, mas nada de perigoso.” Pelas 21h tinham chegado sete; no final da noite, a contabilidade fixou-se nas 12.

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Está disponível informação sobre drogas Ana Marques Maia

Esta sexta-feira e sábado, a Kosmicare continua no mesmo sítio, pronta para acolher e aconselhar quem precisar. Se o cenário se repetir, será mais uma noite de silêncio (o possível, dentro de um festival de música). “Ainda bem, o importante é que as pessoas estejam seguras.”

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