Em educação os extremos não se tocam

Reféns do poder infantil, os pais surgem aos olhos das crianças demasiado fragilizados e incapazes de exercer a sua autoridade, de impor regras e de estabelecer limites.

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"O novo paradigma da parentalidade baseia-se numa relação mais próxima entre pais e filhos" Cottonbro studio/pexels
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Desconfio, desde há algum tempo, que a educação padece de uma condição de bipolaridade que, como todas as condições desta natureza, bipolariza os estilos educativos, caminhando de um polo para o outro, sem atender ao intermédio. Para ilustrar esta ideia, é como se, numa escala de um a dez, tivéssemos de escolher a primeira ou a última das ponderações, ignorando aquelas que se situam entre estes dois extremos.

Antigamente, a educação estava investida de uma autoridade de tal modo hierárquica e distante que os filhos e os alunos educados dessa forma, quando se tornaram pais e professores, desejaram alterar radicalmente o paradigma. Com essa intenção, renderam-se às premissas de um estilo educativo mais próximo da criança, mais consentâneo com os seus desejos, expetativas e necessidades.

As críticas ao paradigma de parentalidade baseado na psicologia positiva e às correntes pedagógicas inovadoras não tardaram em chegar. Os seus detratores acusam os pais de excesso de permissividade e a escola de falta de solidez dos conhecimentos escolares. Chegados a este ponto, importa parar para pensar. É fundamental não extremar posições nem cair em visões maniqueístas da realidade.

Sim, é verdade: pode ter-se exagerado. Mas as consequências deste exagero devem-se mais ao excesso do que à bondade dos princípios. Retomando a escala de um a dez, poderemos ter extremado princípios que, sendo benignos na sua essência, se tornaram prejudiciais devido à sua excessiva ponderação na escala, responsável por uma exagerada polarização educativa. Porém, não é eliminando esses princípios que conseguiremos um novo equilíbrio na educação das crianças, mas sim repolarizando a escala, empoderando os níveis intermédios que se situam entre os dois extremos.

Na atualidade, o novo paradigma da parentalidade baseia-se numa relação mais próxima entre pais e filhos, mais cúmplice, afetuosa e capaz de respeitar a personalidade da criança, escutando-a e tendo em conta a sua vontade, o que, nas devidas proporções, é sem dúvida meritório.

O problema surge quando, na escala de um a dez, a criança adquire demasiado protagonismo e é investida de um poder excessivo, que reforça o egocentrismo e a prepotência infantil. Este protagonismo, ao mesmo tempo que insufla a autoestima da criança, torna-a inevitavelmente mais frágil, na medida em que não desenvolve a resiliência nem aprende a gerir frustrações.

Reféns do poder infantil, os pais surgem aos olhos das crianças demasiado fragilizados e incapazes de exercer a sua autoridade, de impor regras e de estabelecer limites. Se esta fragilização do poder parental dificulta a vida dos adultos, não é menos desestruturadora para as crianças, que se veem privadas de limites simbólicos claros e coerentes, de regras elementares de socialização, bem como dos recursos psíquicos necessários para enfrentar o real e ultrapassar as dificuldades.

Na escola, a aprendizagem significativa coloca o aluno no centro do processo educativo, respeitando os interesses da criança, promovendo a ponte com a vida real, o desenvolvimento do pensamento crítico, a aposta na criatividade e a capacidade de construir conhecimentos, a partir da pesquisa, análise e seleção da informação.

Mas estes princípios, positivos na sua essência, se levados ao extremo podem conduzir à perigosa ilusão de que a aprendizagem tem de ser sempre prazerosa e de que cabe ao professor seduzir a criança para que esta deseje aprender, arredando o esforço do processo de aprendizagem.

Esta ideia, além de não ser verdadeira, não é isenta de perigos. É que, por mais que possamos querer dourar a pílula, na verdade a aprendizagem não se processa sem o envolvimento do sujeito que aprende, que tem de ser capaz de entender que aprender também implica trabalho, rotinas, treino e consolidação e, por vezes, ter de realizar as tarefas escolares, mesmo quando não nos apetece.

No entanto, estas constatações quanto a uma excessiva polarização dos princípios educativos, responsável por estes excessos, não deve servir de base a uma leitura simplista de que “antigamente é que era bom” e de, se voltássemos ao antigamente, tudo iria, finalmente, entrar nos eixos. Se pensarmos com sentido crítico, o “antigamente” talvez não fosse assim tão bom e foi precisamente por esse motivo que pais e professores ousaram uma nova forma de educar as novas gerações de crianças.

A ideia não é voltar ao passado, mas sim caminhar para o futuro, repolarizando opostos e reequilibrando, na escala de um a dez, o respeito pela criança e a autoridade do adulto, a valorização da individualidade e a empatia com os outros, a liberdade e os limites, a criatividade e a necessidade de consolidação das aprendizagens, o prazer e o esforço, o desejo e a resiliência, a ousadia e a consistência. É que em educação os extremos não se tocam.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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