Controlamos cada vez mais os tumores da base do crânio

A maior parte dos tumores da base do crânio podem ser tratados de forma eficaz e segura. Reconhecer os sinais a tempo e procurar ajuda médica é uma atitude essencial.

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A palavra “tumores” já não nos é estranha — e, infelizmente, a frequência com que surgem faz-nos conhecê-la melhor. Mas se falarmos de “base do crânio”, surge, tendencialmente, alguma dificuldade em descrever o que é. É uma área extremamente complexa da cabeça, constituída pelos ossos que separam o encéfalo (que está em cima), das órbitas, fossas nasais, faringe e coluna vertebral (por baixo), E é complexa porque lá passam as artérias carótidas internas e as artérias vertebrais, que levam o sangue ao encéfalo — e os nervos cranianos, com funções essenciais como a visão, incluindo os movimentos dos olhos, a audição, o olfato, o gosto, a articulação verbal, a deglutição, a mímica facial, a mastigação e tudo o que sentimos — tacto, dor e calor — na face, nos olhos, nariz e boca.

Saber que há o risco de estas funções serem afetadas devido a um tumor, coloca-nos em sentido de alerta para a necessidade de cedo diagnosticar para melhor tratar.

Os tumores da base de crânio, ao envolverem estas estruturas, podem dar sintomas e sinais relacionados com a perda da função — perda de visão, visão dupla, perda de audição, paralisia facial ou perda de sensibilidade em metade da face, dificuldade na articulação verbal, dificuldade na deglutição — podendo “engasgar-se” com líquidos. Podem ainda dar dores de cabeça inespecíficas, habitualmente de agravamento progressivo. Sempre que algum destes sintomas aparece, deve ser consultado um médico e realizado um exame de imagem — tomografia computadorizada ou ressonância magnética — para excluir uma destas lesões.

Há vários tipos de tumor da base do crânio e os mais frequentes são os meningiomas, os tumores das membranas que envolvem o sistema nervoso central, as meninges, mas também os adenomas da hipófise e os neurinomas do acústico, que são tumores do nervo da audição e equilíbrio. Todos estes são tumores benignos, sendo os tumores malignos mais raros.

Então e quando é diagnosticado um tumor da base do crânio, o que se faz? Após o diagnóstico por imagem, há que fazer um plano de tratamento. Que vai variar muito dependendo do tipo e localização da lesão.

Regra geral, exceto em lesões muito características de benignidade e pequenas, em que a atitude clínica é, frequentemente, de vigiar com exames de imagem regulares, há que obter o diagnóstico. Por outro lado, na maior parte das lesões, se conseguirmos removê-las cirurgicamente total ou parcialmente, o prognóstico é melhor. Assim a cirurgia é uma arma frequentemente usada onde a tecnologia tem feito maravilhas para a tornar mais segura.

A anestesia é uma das evoluções que mudaram drasticamente os resultados das cirurgias: atualmente, consegue preparar o doente para ter um cérebro completamente relaxado e bem perfundido — ou seja, com oxigénio e glicose suficientes para evitar um Acidente Vascular Cerebral (AVC) — quando se faz a abordagem cirúrgica, que é um fator essencial de sucesso cirúrgico.

Outra grande evolução materializou-se no microscópio cirúrgico que nos permite operar por um corredor estreito em profundidade e com uma ótima iluminação, bem como ver muito melhor estruturas vitais que são muito pequenas, como os nervos e as artérias.

Destaco, ainda, uma tecnologia que tem cerca de 25 anos, conhecida como neuronavegação e que revolucionou a cirurgia intracraniana, incluindo a dos tumores — trata-se de uma espécie de GPS cerebral. Com a cabeça do doente fixada e imóvel, com uma reconstrução tridimensional da cabeça do doente feita por um computador a partir das imagens de Ressonância Magnética, conseguimos em qualquer momento saber exatamente onde estamos no encéfalo ou qualquer espaço intracraniano.

Graças à revolução dos últimos anos, podemos ainda monitorizar durante a cirurgia a função de vários nervos cranianos — movimentos oculares, mastigação, mímica facial, função das cordas vocais, da faringe, a deglutição, ou língua. Isto permite reduzir significativamente o risco de lesar estas estruturas e deixar defeitos neurológicos permanentes.

Finalmente, a abordagem cirúrgica destas lesões, principalmente as mais próximas da linha média, é realizada com mais frequência por via transnasal com endoscópio, sem ter de realizar uma craniotomia, a abertura do crânio. Esta técnica, que foi descrita há quase 70 anos para cirurgia dos adenomas da hipófise, tem vindo a ter cada vez mais utilização noutro tipo de tumores da base do crânio desde há 25 anos, com ótimos resultados em muitas situações.

Todos estes avanços tecnológicos aumentam significativamente a segurança, com menor risco de complicações — e a eficácia, com um maior grau de remoção das lesões. Se tudo correr bem, no dia seguinte os doentes estão de pé, a alimentar-se normalmente — e às 48h/72h poderão estar em casa. E quase não têm dores.

Uma outra tecnologia que mudou completamente o paradigma e o prognóstico destas lesões, que apareceu há cerca de 25 anos, foi a radiocirurgia, que é na realidade uma forma de radioterapia em dose única, com grande precisão para atingir somente a lesão poupando as estruturas circundantes. Esta técnica controla em cerca de 85% dos casos as lesões benignas de pequenas dimensões, ou seja, não crescem mais.

Antes do aparecimento da radiocirurgia, o único tratamento eficaz era a cirurgia. E já sabíamos que, se não se fizesse uma remoção completa, o tumor ia crescer novamente — uma segunda ou terceira cirurgia teria sempre muito mais riscos. Assim, o objetivo era remover tudo, mesmo que isso acarreta-se perder algumas funções, como a visão, a audição e a mímica facial. Atualmente, o paradigma é remover o mais possível mas poupando as funções referidas — e o que não se conseguir remover com segurança trata-se posteriormente com radiocirurgia.

Os resultados e o prognóstico melhoraram muito com esta mudança de paradigma. Conseguimos, desta forma, controlar mais de 90% destes tumores. Mas o progresso que tem sido feito muito se deve também à abordagem multidisciplinar. Sendo esta área anatómica uma fronteira entre várias especialidades, o tratamento de tumores da base do crânio envolve sempre uma equipa multidisciplinar com neurocirurgiões, otorrinolaringologistas, oftalmologistas e radioterapeutas, entre outros. Só assim conseguimos os melhores resultados.

A mensagem final é esta: atualmente, a maior parte das lesões tumorais da base do crânio podem ser tratadas de forma muito eficaz e segura com as múltiplas opções terapêuticas que temos à nossa disposição. Reconhecer os sinais a tempo e procurar ajuda médica é uma atitude que aumenta o sucesso do tratamento e que, por isso, não pode ser adiada ou desvalorizada.


O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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