Bastonária dos advogados: “Se for preciso, faremos parar a justiça”

Advogados reunidos em assembleia-geral decidem usar direito de resistência contra novo regime das ordens profissionais.

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Fernanda de Almeida Pinheiro, bastonária dos advogados Matilde Fieschi
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A bastonária dos advogados, Fernanda de Almeida Pinheiro, foi mandatada pela classe que representa para exercer o direito constitucional de resistência contra o novo regime das ordens profissionais, que é considerado um ataque sem precedentes à profissão. "Se for preciso fazer parar a justiça, fá-lo-emos", declara a bastonária, após uma assembleia-geral extraordinária que reuniu esta terça-feira mais de 2200 profissionais da advocacia.

Em causa está a prática de actos próprios dos advogados por parte de profissionais de outras áreas. Mas tem igualmente suscitado polémica a criação obrigatória de um órgão de supervisão, que zele pela legalidade da actividade e com poderes de controlo e regulação da profissão, composto por 40% de representantes da advocacia, 40% oriundos da academia e 20% cooptados, também externos à ordem e que sejam personalidades de reconhecido mérito, bem como a criação obrigatória de um órgão disciplinar igualmente com personalidades de reconhecido mérito e experiência relevante para a actividade que não sejam membros da ordem profissional.

As ordens profissionais dizem que as novas regras constituem uma ingerência no poder de se auto-regularem nas questões da supervisão e disciplina. Sensível a estes argumentos, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, pediu ao Tribunal Constitucional que analisasse se existia alguma violação do poder de auto-regulação consagrado às ordens profissionais ao impor-se-lhes órgãos de fiscalização com membros externos à profissão e se havia uma “restrição desproporcionada” ao exercício das funções públicas no regime de incompatibilidades que as novas regras prevêem. Mas os juízes do Palácio Ratton entenderam que todas as alterações questionadas pelo Presidente da República não feriam a Constituição.

Exigida pela OCDE e pela Comissão Europeia desde a intervenção da troika, em 2011, a alteração do regime das ordens profissionais foi incluída pelo primeiro-ministro António Costa no memorando do Plano de Recuperação e Resiliência.

A presidência da Federação Europeia dos Advogados, que representa mais de 210 ordens, também já exprimiu a sua preocupação com a situação dos colegas portugueses. Para os advogados, a alteração do seu estatuto põe em causa direitos, liberdades e garantias não só da classe profissional que integram como dos cidadãos em geral. Previsto na Constituição, o direito de resistência permite precisamente aos cidadãos desrespeitarem ordens que considerem ofender os seus direitos, liberdades e garantias. “Todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos (...) e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública”, diz a lei fundamental.

Embora ainda não conheça a proposta final do Governo, a Ordem dos Advogados já avisou que não aceitará a inscrição no seu seio de quem não seja licenciado em Direito, ideia que entende ser aberrante. Nem a existência de órgãos disciplinares com uma maioria de membros não inscritos nesta organização. A bastonária não detalha que medidas de protesto poderão ser tomadas para paralisar a justiça, mas garante que não será através da greve, uma vez que, como profissionais liberais, os advogados não têm patrões. Apesar disso deixa um aviso: "Sem advogados, os tribunais não funcionam."

Em cima da mesa nesta assembleia-geral extraordinária estiveram ainda outras propostas, como uma concentração de advogados fardados de toga defronte da Assembleia da República. A bastonária deverá agora manter reuniões com o Presidente da República, a Provedora de Justiça e outros dirigentes do sector, não tendo sido descartado um novo pedido de parecer ao Tribunal Constitucional. Também deverá ir por diante uma campanha de sensibilização da população.

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