Casal e três filhos sem casa em Lisboa: “Ainda nos queriam tirar os nossos meninos”

O caso foi esta terça-feira denunciado pela mãe, Lívia Camargo, em reunião da Assembleia Municipal de Lisboa. A família está desde Novembro sem habitação e vive na rua há seis dias.

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Família está a viver numa carrinha há seis dias Maria Abranches?
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Lívia Camargo e Paulo Faria vivem na rua desde o início de Junho, juntamente com os três filhos menores. Depois de um incêndio em Novembro, que destruiu a casa onde moravam em Arroios, na Vila de Queirós, a família foi apoiada pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), dormindo em vários hostels. Com a chegada do mês de Junho, e tendo recusado as alternativas propostas, perderam o apoio e foram viver para a rua. As noites são passadas numa carrinha, uma situação denunciada esta terça-feira na Assembleia Municipal de Lisboa.

O dia 28 de Novembro de 2022 ficará para sempre na memória de Lívia Camargo e Paulo Faria. O casal, que vive em Lisboa há 16 anos, viu o fogo tomar conta da casa onde morava com mais três filhos e mudar a vida da família para sempre. A causa do incêndio foi atribuída a uma máquina de secar roupa, mas a habitação de Arroios já se encontrava em elevado nível de degradação, havendo até ratos e baratas, descreveram ao PÚBLICO. O prédio não tinha luz e o prédio necessitava de obras, que o senhorio tardava em fazer.

Desde então, os pais das três crianças – Vitória Isabel, João Paulo e Paulo Henrique, de 1, 10 e 13 anos, respectivamente – têm vivido em diversos hostels, a cargo da SCML ou por conta da própria família, que chegou a dormir em espaços clandestinos. Paulo Faria retira o telemóvel do bolso e mostra uma fotografia de um dos miúdos cheio de picadas de pulgas no pescoço. “Demorou uma semana para a assistente social nos tirar de lá”, diz a mãe. Sem sítio onde ficar, o casal chegou a pagar 400 euros para dormir cinco noites num alojamento em Lisboa.

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Em situação de desespero e sem recursos para fazer face às despesas, contactaram a linha de emergência social, mas a resposta não foi a esperada. “Ajudar ajudavam, mas em plena quinta-feira, quase às sete horas da noite, queriam-nos jogar lá em Évora”, explicou a mãe ao PÚBLICO, ressalvando que no dia seguinte os filhos teriam aulas como de costume.

Segundo o casal, as assistentes sociais chegaram a sinalizá-los como negligentes em relação aos filhos por estes se ausentarem da escola por três dias, mas Lívia Camargo esclarece que “estavam mal psicologicamente” e afectados pelas consequências do incêndio. “Foi um acidente, estamos a pedir ajuda e ainda nos queriam tirar os nossos meninos”, diz o pai.

Na passada quinta-feira ficaram sem o apoio da SCML e viram-se nas ruas de Lisboa. Agora vivem “em pingue-pongue”, refere Lívia Camargo, atirados aos desafios da vida nocturna. Todos os dias ficam em recantos diferentes, protegidos por uma carrinha emprestada. Os filhos passam o dia na escola ou na creche, onde lhes é assegurado o almoço, mas à noite têm ficado em casa de amigos, um em cada lado. Perante o caos, a mãe não esconde o desespero. “Está difícil, a gente não aguenta mais”, declara, enquanto o filho se entretém com um telemóvel, que parece ajudar a esquecer a febre do rapaz, que voltou a adoecer. Também a mais nova, com apenas um ano de idade, “está sempre a ficar doente”, diz o pai.

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Viver em Lisboa

Paulo Faria é trabalhador da Junta de Freguesia de Arroios há nove anos e espera uma resposta da câmara da capital. “Querem-nos mandar para fora de Lisboa de qualquer jeito”, afirma Lívia Camargo, que ficou desempregada há pouco tempo, depois de a despedirem de um café nas Amoreiras. O marido solicitou ajuda de familiares, mas a avó das três crianças sofreu dois AVC e a irmã não tem possibilidades de ajudar. “Não tenho cadastro, não tenho nada, estou limpinho, não faço mal a ninguém”, diz o homem.

Perante as dificuldades, a mãe entrou em contacto com a vereadora dos Direitos Sociais, Sofia Athayde, que lhe disse que iria fazer os possíveis para ajudar. O casal continua à espera, agarrado à esperança de um futuro melhor.

Contactada pelo PÚBLICO, a Câmara de Lisboa declara que “a resposta da família tem sido inexistente” na procura por soluções de habitação e emprego para o elemento feminino, “insistindo em colocar na CML e na SCML todo o ónus de resolução dos seus problemas”.

A família procedeu à candidatura ao Programa de Arrendamento Apoiado (PAA) dirigido a famílias de baixos recursos financeiros. Por escrito, a câmara esclarece que, a propósito do mesmo programa, não foi possível afectar uma habitação, “dado que houve candidaturas que registaram pontuações mais elevadas atendendo às carências socioeconómicas dos candidatos”. De acordo com a CML, são neste momento cerca de 6500 agregados familiares à espera de atribuição de uma habitação ao abrigo da PAA, pelo que “os pedidos que chegam à autarquia superam, largamente, a oferta de que esta entidade dispõe”.

Numa reunião a 6 de Janeiro entre a CML, a Santa Casa da Misericórdia e a respectiva família, ficou acordado que a resposta de emergência seria assumida até ao dia 24 de Janeiro pela SCML, data a partir da qual a habitação deveria ser assegurada pela câmara. Ainda assim, a Santa Casa prestou auxílio alimentar e habitacional à família até ao fim de Maio em função da disponibilidade de vagas.

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Em resposta por escrito, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa diz ter apresentado propostas de habitação à família, a última delas no dia 16 de Maio. A solução consistia num apartamento T2 na Bobadela, por 750 euros, com entrada imediata, “a qual foi recusada pelo casal por ser, segundo o próprio, muito longe de Lisboa (argumento, aliás, usado várias vezes para a recusa de anteriores propostas)”, diz a SCML. Assim, dada a exigência de permanecer em Lisboa, “as opções disponíveis no mercado de arrendamento privado ficam substancialmente mais limitadas”, refere a entidade. O mesmo órgão de apoio social ressalva que a família “abandonou o apoio alimentar concedido”. Lívia Camargo explicou não ter local para armazenar a alimentação.

A Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) disse ao PÚBLICO que decidiu aplicar uma medida que passava pelo “apoio na procura de uma alternativa habitacional e pelo apoio aos pais no que diz respeito à segurança e estabilidade emocional das crianças.” A proposta não foi aceite pelo casal, pelo que o caso foi remetido para tribunal. “Eu não quero viver às custas do Estado. A gente quer um tecto que possa pagar para se estruturar e eu voltar ao trabalho”, diz Lívia Camargo.

Texto editado por Ana Fernandes

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