O fenómeno meteorológico natural, que normalmente dura entre nove meses e um ano, perturba os padrões típicos de chuva e temperatura e, em determinados locais, pode criar condições extremas, como secas ou chuva excepcionalmente intensas. As alterações climáticas criadas pelo El Niño podem ser prejudiciais para as culturas que fornecem o café do mundo — muitas das quais são cultivadas em áreas já afectadas pelas alterações climáticas.
“Parece que as influências negativas do El Niño são exacerbadas pelas alterações climáticas a longo prazo, o que é preocupante para os produtores de café e para a segurança alimentar em geral”, afirmou Aaron P. Davis, investigador e especialista no estudo de culturas e alterações globais no Royal Botanic Gardens, Kew, da Grã-Bretanha, num e-mail.
Ainda não se sabe exactamente como o El Niño se vai manifestar. Alguns dos principais locais de produção de café podem até conseguir reunir condições adequadas para a cultura do café, mas outros poderão sofrer o oposto, confirma Aaron Davis. “Estes impactes podem variar dentro de um mesmo país”, acrescentou.
Eis o que precisa de saber:
Como é que um El Niño pode afectar a produção de café?
A grande maioria da oferta mundial de café é composta por duas variedades: arábica e robusta.
A arábica (Coffea arabica) é, desde há muito, o favorito da indústria do café, mas o grão é hipersensível às alterações de temperatura, o que suscita preocupações quanto ao seu futuro num mundo em aquecimento. A robusta (Coffea canephora) — assim chamada devido à sua robustez — tem sido cada vez mais apresentada como uma solução potencial para ajudar a mitigar os efeitos das alterações climáticas no café.
O El Niño, que pode trazer condições invulgarmente quentes e secas às regiões onde encontramos as randes produções de café, pode afectar a produção de ambos os tipos de grãos, avisa Christian Bunn, cientista da Aliança da Bioversidade Internacional e do CIAT, por e-mail. Um estudo revisto por pares, publicado em Março, concluiu que “desvios substanciais” das condições óptimas de crescimento das variedades arábica e robusta “são considerados como uma indicação de que uma área é actualmente, ou no futuro, sob as alterações climáticas, inadequada para o cultivo do café”.
Mas outros especialistas afirmam que este ano de El Niño até poderá afectar mais as culturas de robusta do que as de arábica. “Sempre partimos do princípio de que a variedade robusta é mais robusta, como o nome indica, e que será mais resistente às alterações climáticas”, afirmou Chahan Yeretzian, director do Centro de Excelência do Café da Universidade de Ciências Aplicadas de Zurique. “Mas a situação que deveremos enfrentar este ano pode provar o contrário: que a robusta será mais afectada.”
O El Niño ameaça atingir algumas das principais regiões do mundo responsáveis pela produção de uma quantidade significativa da oferta global de robusta, como o Vietname e o Brasil, disse John Baffes, economista-chefe e analista de produtos de base do Banco Mundial. O Vietname, por exemplo, produz mais de metade da oferta mundial de robusta.
No entanto, ainda há espaço para alguma esperança. O estudo divulgado em Março concluiu que o fenómeno meteorológico poderá ter menos impacto no Sul do Brasil, o que significa que esta região pode ser fundamental para compensar os riscos relacionados com o El Niño para a oferta mundial de café. O país é o maior produtor mundial da variedade arábica.
O que é que isto significa para os amantes do café?
Se o El Niño reduzir drasticamente a produção e a qualidade do café, os consumidores poderão acabar por pagar preços mais elevados, disse Davis, embora parte do aumento possa ser absorvida pelo sector do café.
Na semana passada, os preços do café de variedade robusta atingiram o pico dos últimos 15 anos, segundo a Reuters, citando a “oferta reduzida” e as “preocupações com a produção futura devido ao El Niño”.
A perturbação climática deste ano pode significar problemas para o mercado do café, que, segundo Baffes, ainda está a recuperar de um “grande choque” associado a uma seca recente na América do Sul, que prejudicou a colheita do Brasil e fez disparar os preços. Entretanto, os preços dos produtos alimentares em geral também têm vindo a aumentar. A pressão combinada destes factores pode forçar mais ainda as empresas de café a aumentar os preços, avisa. “A minha sensação é que isso vai ter um efeito, mas também é improvável que os preços subam muito acima do que registámos no primeiro semestre de 2022”, contrapõe.
Existem soluções?
As práticas de adaptação para ajudar a aumentar a resistência das culturas de café incluem cobertura morta, culturas de cobertura, irrigação, melhor sombra, plantio de contorno e culturas de barreira, entre outras, enumera Bunn. Porém, e embora valha a pena investir nessas estratégias, estas respostas precisam de ser postas em prática por um longo período de tempo e provavelmente não podem ajudar os produtores de café a enfrentar uma crise imediata.
Entretanto, os especialistas dizem que está a ser feito trabalho para desenvolver tipos de café melhorados que sejam mais tolerantes à seca e ao calor. Estão também a ser desenvolvidos esforços para criar cafés alternativos, incluindo uma variedade cultivada em células.
“É importante compreender que o café se está a tornar cada vez mais um investimento de alto risco”, conclui Bunn. “Independentemente de eventos individuais, todo o sector está muito preocupado com as alterações climáticas.”