O valor profissional da “multi” e da “trans” disciplinariedade

Está na altura da “multi” e “trans” serem assumidas como especialidades, sendo que uma leva à outra e ambas a mais inovação e formas mais naturais de aplicar conhecimento.

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Megafone P3: Assumir o valor profissional da “multi” e da “trans” disciplinariedade Antoni Shkraba/Pexels
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A maioria das pessoas irá mudar de emprego e ter funções várias durante os anos em que trabalhar. É cada vez mais difícil fazer previsões sobre carreiras profissionais. Flexibilidade, adaptabilidade e capacidade para ir aprendendo ao longo da vida são requisitos para garantir a sobrevivência no mercado de trabalho ou saber escapar dele. Mas será que as práticas de recrutamento e progressão nos trabalhos reais realmente valorizam os trabalhadores multifacetados?

Ser-se multidisciplinar para poder navegar com segurança em diferentes águas é útil, mas difícil. Primeiro, na formação formal nada a favorece. As disciplinas continuam a ser estanques, é difícil que comuniquem entre si. Cada especialista trata da sua quinta e faltam as vias que as conectem, tal como quem possa ajudar a fazer a viagem. Estudamos por disciplinas, trabalhamos por departamentos e grupos. Mas somo avaliados pelos resultados globais.

Candidatamo-nos por áreas, por vagas e a projectos que querem especialistas em X ou Y. Quem tentar ser verdadeiramente multidisciplinar, ou até mesmo transdisciplinar, vai ter a vida dificultada, até nos casos em que isso é supostamente um requisito. Como multidisciplinar estou a considerar a pessoa que domina várias áreas ou disciplinas, trocando quando necessário para uma tarefa, tendencialmente sem as combinar de modo profundo. Transdisciplinar será pessoa que consegue combinar as diversas áreas ou que aplica conhecimentos de uma delas a muitas outras e vice-versa, numa versão mais holística.

Está na altura da “multi” e “trans” serem assumidas como especialidades, sendo que uma leva à outra e ambas a mais inovação e formas mais naturais de aplicar conhecimento. Não se trata de usar uma pessoa para substituir várias, mas trabalhar de forma integrada, da comunicação entre disciplinas e combinação em novas abordagens de trabalho.

Ultrapassar este limite das estruturas de trabalho, ensino e investigação é urgente. Uma parte significativa da inovação acontece nas franjas do conhecimento e das práticas instituídas, além dos limites impostos, quando combinamos elementos diferentes e geramos novos sistemas e produtos. E quando alguém consegue fazer isto ao longo da vida, aprendendo e mudando, há valor acrescentado para o indivíduo e para o colectivo onde ele irá trabalhar.

Precisamos de novas formas de avaliação de currículos e projectos, caso contrário continuaremos a reforçar os modelos estanques e compartimentados. A multidisciplinaridade e transdisciplinaridade não podem ser apenas elementos decorativos nos avisos de emprego e projectos. Ser-se “multi” e “trans” tem valor porque permite inovar, gerar algo de novo ainda por definir.

Para isso é necessário valorizar quem quer aprender algo além da sua suposta especialidade, pelo menos tanto quanto quem dominar apenas uma área específica. Na verdade, precisamos de todas as estas pessoas, mas a colaborarem em ambientes livres, flexíveis e que permitam a cada um seguir a sua via, especializando-se no que que mais for necessário em cada momento para o colectivo e reforçar as competências pessoais.

Numa era de automatização e resolução instantânea de problemas através da tecnologia, temos de ser menos quadrados que as máquinas. Caso contrário, seguramente que seremos substituídos por elas.

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