Para trás, para a frente, para o lado, voltas e rodopios, e no fim acabamos cansados e sem sair do sítio. Podia ser apenas uma má aula de dança, mas é algo pior: somos nós – os cidadãos das democracias – agarrados às redes sociais, às voltas no palco da desinformação em que se transformou o debate público.

O mais recente passo foi do YouTube, que decidiu reverter a sua política em relação ao conteúdo sobre as eleições americanas, voltando a permitir que sejam publicadas mentiras. 

Com excepção do TikTok, todas as grandes redes sociais com influência no mundo ocidental são americanas e, inevitavelmente, o ritmo das decisões que tomam é o ritmo da política dos EUA, mesmo que muitos outros países (Portugal incluído) sejam afectados pelo mesmo tipo de problemas.

Na sexta-feira, e quando já está dado o tiro de partida para as presidenciais americanas de 2024, o YouTube anunciou que deixou de remover "conteúdo que avance com falsas afirmações de fraude alargada, erros ou falhas ocorridos em 2020 e em anteriores eleições presidenciais dos EUA". Posto de outra forma: vai ser possível voltar a mentir desbragadamente no YouTube sobre os factos que culminaram num dos maiores abalos à democracia americana nas últimas décadas. 

A decisão é, apesar de tudo, legítima. 

A frase no anúncio não deixa dúvidas sobre a posição do YouTube face às alegações de que as eleições de 2020 foram fraudulentas. Mas a empresa volta a abrir-lhes as portas da maior plataforma de vídeos do mundo. Olhemos para a justificação dada:

"A capacidade de debater ideias políticas, mesmo aquelas que são controversas ou assentes em pressupostos desmentidos, é central ao funcionamento de uma sociedade democrática - especialmente no meio de uma época de eleições. (...)

 Descobrimos que remover este conteúdo de facto mitiga alguma desinformação, mas também poderia ter o efeito indesejado de tolher o discurso político sem reduzir significativamente o risco de violência ou outros danos no mundo real."

Entre mais liberdade de expressão ou menos desinformação, o YouTube optou pela primeira; fê-lo depois de avaliação e ponderação, e no sentido contrário do que tinha feito há um par de anos. 

Mais do que os méritos desta decisão concreta, o episódio ilustra o dilema permanente em que nos encontramos. Devem as plataformas online remover conteúdo falso? Todo ou só algum? Quem determina o que é falso? E quem avalia que conteúdo é inócuo e qual o que tem potencial de consequências dramáticas? Até que ponto devem os Estados intervir?

Parece razoável dizer que os Estados democráticos devem pôr rédeas na desinformação nas redes sociais. Mas, para além de todos os outros problemas, há a questão basilar de que a democracia também não se mede em zero ou um: o que acontece quando essa rédea está na mão de líderes cujo pé resvala com frequência para práticas não democráticas? É o caso, por exemplo, de Erdogan na Turquia, que ordenou com sucesso que o Twitter censurasse a oposição. Também parece razoável dizer que as empresas devem tomar medidas e instaurar mecanismos de vigilância. Mas o que acontece se uma plataforma acabar dirigida por um lunático?

Um outro episódio, durante a pandemia, já tinha mostrado a dificuldade destas interrogações, que lhe podem ter provocado a si uma sensação de déjà-vu

O Facebook começou por remover as afirmações de que a covid era uma doença com origem num laboratório ou de outra forma criada deliberadamente. Ainda a pandemia não tinha chegado ao fim, e a rede social já tinha feito volta atrás, passando a admitir que fosse publicado aquilo que antes considerava mentiras. A mudança de posição aconteceu em 2021, após ter sido noticiado que as autoridades americanas não descartavam a hipótese de que o vírus podia ter saído acidentalmente de um laboratório chinês. 

É outro problema. Os consensos sobre o que é verdade às vezes mudam com o tempo: o que é um esforço de combate a teorias de conspiração num dia pode, no dia seguinte, ser afinal uma proibição absurda (no que diz respeito à covid-19 em particular, não há consenso sobre a origem do vírus).

Andamos nesta dança do "remove/não remove" há anos e não há coreografia que resulte. As redes sociais, como bem se vê pela decisão do YouTube, não sabem para que lado se hão-de virar para cumprir um papel que nunca quiseram ter (o objectivo sempre foi mostrar anúncios e fazer dinheiro, não informar cidadãos). Há panaceias. O jornalismo saudável é uma delas, mas tem um alcance limitado face à cacofonia das redes. 

Neste ponto, a melhor descrição talvez seja mesmo uma frase batida: este é o novo normal e assim será durante muito tempo. A desinformação online não é um interlúdio ou uma anomalia; encará-la como um problema à espera de resposta é retirar-lhe dimensão e importância. A desinformação veio para ficar e as medidas para a mitigar serão tão mais eficazes quanto mais a encararmos como uma força permanente no espaço público. É um combate diário.