Metro de superfície em Luanda pode “poupar” milhares de toneladas de CO2 por ano

Numa área metropolitana com cerca de 8 milhões de habitantes e uma mobilidade assente em veículos muito poluentes, o sistema de eléctricos sobre carris poderá atrair quase 400 mil passageiros por ano.

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Luanda é uma cidade onde o ar é muitas vezes irrespirável, em grande parte devido aos automóveis que poluem a capital angolana Manuel Roberto/ARQUIVO
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Está estimado em 2,7 mil milhões de euros e promete revolucionar a mobilidade de Luanda com a construção de uma grande linha circular de 112 quilómetros atravessada por uma linha central de 30 quilómetros que a liga em dois pontos. Tal como está previsto, e a ser construído integralmente, o metro de superfície passará próximo dos bairros mais densamente povoados da área metropolitana de Luanda, em Angola, servindo mais de 65% da população.

Para já, e de acordo com um decreto presidencial de 22 de Março passado, só irá avançar a primeira fase, no valor de 1,3 mil milhões de euros, para construir a Linha Amarela entre o Porto de Luanda e o Bairro do Kilamba, numa extensão de 39 quilómetros. O decreto do Presidente da República consagra a entrega da obra à multinacional Siemens Mobility, na qual terá um papel relevante a participação portuguesa, com a Siemens Portugal.

De acordo com as projecções do Governo angolano, o metro de superfície transportará 398,6 milhões de passageiros por ano, ajudando a descongestionar a cidade e, sobretudo, a melhorar o seu ambiente.

Luanda é uma cidade onde o ar é muitas vezes irrespirável, não só pela deficiente recolha do lixo e rebentamentos na deficiente rede de saneamento básico, mas sobretudo pelo congestionado tráfego rodoviário, cuja frota pode ser dividida em duas categorias, ambas altamente poluidoras: de um lado, os veículos todo-o-terreno de alta cilindrada usados pelas elites, com um elevado consumo de combustível; e, do outro, uma frota de carros envelhecidos e mal mantidos que emitem baforadas de gases à sua passagem.

Nos transportes públicos, a rede de autocarros é incipiente e a mobilidade das pessoas é assegurada essencialmente pelos candongueiros, que são táxis colectivos compostos por furgonetas azuis e brancas e que se caracterizam por uma grande informalidade e precariedade no seu funcionamento. É uma frota igualmente envelhecida e, logo, também muito poluente.

De acordo com a associação ambientalista Zero, e tendo em conta as projecções de que 398,6 milhões de passageiros passariam a utilizar anualmente o novo metro, isso induziria poupanças anuais entre as 93.605 e as 101.070 toneladas de CO2. Valores que poderão pecar por defeito, porque têm em conta um padrão de deslocações em Luanda apenas ligeiramente superior ao de Lisboa

“Os passageiros que actualmente usam outros modos não-eléctricos passariam a emitir menos 97% de CO2 nas suas deslocações diárias se passassem a fazê-las exclusivamente através dos eléctricos do metro de superfície”, diz Acácio Pires, daquela associação, que alerta, contudo, para alguma falta de rigor nos cálculos, porque seria necessário saber o número de quilómetros que cada passageiro faz por dia. Mas tendo em conta que grande parte da população se desloca diariamente dos musseques (bairros populares) em redor da cidade para o centro, alguns a dezenas de quilómetros, a utilização do modo eléctrico teria um impacto muito significativo na diminuição da poluição.

Em termos de valores do mercado do carbono – algo que não é uma prioridade para o gGverno angolano, cujo objectivo imediato é resolver o problema do trânsito caótico na cidade – as poupanças poderiam rondar os 8,5 a 9,2 milhões de euros por ano. “É claro que, à medida que o metro atraia mais passageiros e que o preço do carbono se vá tornando mais elevado, as poupanças anuais crescem”, diz Acácio Pires.

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O objectivo é que o metro chegue aos bairros mais povoados de Luanda Manuel Roberto/ARQUIVO

O prazo fixado para este projecto tem vindo a derrapar. Um documento do Governo angolano datado de Julho de 2020 anunciava “o início da circulação em 2022”. Em entrevista ao PÚBLICO, em Abril passado, o ministro dos Transportes angolano, Ricardo Viegas de Abreu, dizia: “Este ano, vamos desencadear os procedimentos para o seu arranque.” Embora não se tenha comprometido com uma data, o tempo urge, tendo em conta que o Governo pretende articular o metro de superfície nos planos de acessibilidade ao novo aeroporto de Luanda, cuja inauguração está prevista para Novembro, e ao qual se vai aceder através de um ramal ferroviário que está em construção. O metro, na cidade, complementaria a distribuição de passageiros.

Participação portuguesa

A construção do metro de superfície terá uma participação portuguesa significativa, tendo em conta o papel decisivo da Siemens Portugal no contexto da multinacional alemã para este projecto em Angola. Mas, contactada pelo PÚBLICO, a empresa não quis prestar informações.

Também o Ministério dos Transportes de Angola não respondeu a um conjunto de questões enviadas pelo PÚBLICO sobre este projecto. Há dúvidas sobre a segurança da circulação dos eléctricos, dado o historial de apedrejamentos e vandalização nos comboios suburbanos entre Luanda e Viana. E também sobre a reacção do sector dos táxis colectivos, que ocupa milhares de pessoas, sobretudo jovens, entre motoristas, cobradores e lotadores (que organizam a arrumação dos passageiros dentro da carrinha).

Um artigo científico publicado na Revista Brasileira de Gestão Urbana (Abril 2028) denominado Os candongueiros e a ‘desordem’ urbana de Luanda: uma análise sobre a representação social dos transportes informais refere que “existe no sistema de circulação e de transportes dominado pelos candongueiros uma cultura intrínseca à própria simbologia colectiva, um diálogo não falado entre a sociedade e os candongueiros. Em Luanda, os candongueiros e a sociedade coexistem. Além da sua importância social e económica, esses se constituíram, no meio da informalização das relações sociais, numa expressão do sentimento e da identidade cultural da cidade”.

Armindo Laureano, director do Novo Jornal, diz que o Governo está a fazer um levantamento do número de pessoas ligadas aos táxis colectivos e a procurar explicar que o Metro de Superfície não irá resolver, mas aliviar, o problema da mobilidade, pelo que vai coexistir com outros sistemas públicos de transportes: candongueiros, mototáxis e autocarros.

O projecto tem gerado alguns receios porque os táxis colectivos empregam muitos jovens e os donos das viaturas são, muitas vezes, figuras bem posicionadas do Governo e também da oposição. Por outro lado, “o metro de superfície não reúne consenso político ao nível do principal partido da oposição, a UNITA, não por não acreditar no modo de transporte, mas por achar o processo pouco transparente”, diz Armindo Laureano. E a própria Siemens receia que qualquer mudança política possa criar obstáculos ao projecto.

A sustentabilidade do metro de superfície não se mede apenas nos ganhos ambientais, na redução da emissão de gases. Se é feito para as pessoas, não é para as prejudicar, mas pode haver consequências negativas provocadas pela sua construção, que obrigará a desalojar centenas de famílias nos musseques. Um processo que, em Angola, privilegia situações impostas à força, em detrimento do diálogo com a população.

A concretizar-se, o metro de superfície de Luanda será um dos raros em África. Se é certo que no Magreb há vários “light rails” em Marrocos, Argélia e Tunísia, na África Subsariana só se encontra este sistema de transporte – tipicamente europeu – em Addis-Abeba (Etiópia) e Abuja (Nigéria). Luanda poderá ser o terceiro a sul do Sara.

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