O drama da falta de professores na Europa

Em Portugal, estamos a formar 1500 docentes por ano, mas precisávamos de formar pelo menos 3500 para evitar o nível catastrófico previsto para 2030, quando se prevê que faltem 50 mil professores.

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Em 2023, vários países europeus, incluindo o Reino Unido, a Irlanda, a França, a Alemanha, Portugal, a Espanha, a Suécia e a Itália estão a ter dificuldades em recrutar professores e cada país está a tentar resolver este problema com políticas ad hoc e não com uma estratégia de longo prazo para a educação. Este problema deve-se sobretudo a um desinteresse crescente e generalizado pela profissão docente, agravado pela pandemia de covid-19, e ao baixo nível dos salários (França, Espanha, Itália e Portugal, por exemplo), principalmente porque o ensino deixou de ser visto como um trabalho com elevado valor social acrescentado.

Esta tendência negativa confirma-se na estimativa da UNESCO que projectou, logo em 2016, que o mundo precisará de 69 milhões de professores até 2030.

A situação já é particularmente grave na Alemanha, onde as estimativas nacionais prevêem um défice de 25.000 professores nos próximos anos. Na Polónia, faltam 20.000 professores e na Hungria 16.000. Em França, existiam 4000 lugares vagos para professores em 2022-23. Dos 270.000 professores que se qualificaram em Inglaterra entre 2011 e 2020, 81.000 já abandonaram a profissão. Um relatório do Education Policy Institute prevê que haverá um défice de cerca de 13.000 professores em Inglaterra até 2023, em resultado de uma combinação de factores, incluindo o envelhecimento dos docentes, as elevadas taxas de abandono da carreira e a diminuição do número de novos professores que entram na profissão.

Já sabemos que em Portugal quase metade dos professores do país irá reformar-se nesta década. Estamos a formar cerca de 1500 novos professores por ano, mas precisávamos de formar pelo menos 3500 para evitar o mesmo nível catastrófico que se espera em 2030, quando sabemos que faltarão 50.000 professores, de acordo com um estudo apoiado pelo Ministério da Educação português.

Em alguns países como a Finlândia e a Suíça, por exemplo, a docência é uma profissão altamente respeitada e os professores usufruem de salários elevados, segurança no emprego e benefícios abrangentes. Na Finlândia, os professores recebem salários altamente competitivos, que estão a par dos auferidos por outros profissionais com formação superior, como médicos e advogados. Na Suíça, os professores recebem um salário base elevado e os seus rendimentos aumentam com base na experiência, formação e responsabilidades adicionais.

Noutros países, como Portugal, Espanha e Grécia, os professores e os directores das escolas recebem salários relativamente baixos e a profissão docente é frequentemente subvalorizada. Na Grécia, por exemplo, o salário médio de um professor é dos mais baixos da União Europeia e muitos educadores têm de trabalhar em vários empregos para poderem sobreviver.

Em Portugal, os professores têm vindo a perder o seu estatuto a todos os níveis, especialmente quando comparados com outras profissões altamente valorizadas, como é o caso dos juízes, que registaram uma grande melhoria dos seus salários, em 2019, em comparação com os professores (um juiz em início de carreira ganha agora o mesmo que um professor do ensino básico/secundário no escalão mais elevado da sua carreira).

De um modo geral, a melhoria dos salários e benefícios dos professores é essencial para atrair e reter educadores talentosos e melhorar a qualidade da educação. A escassez de professores na Europa é uma questão complexa que exige uma abordagem multifacetada. Não podemos caminhar para soluções de contratação de licenciados sem profissionalização (já está a acontecer em Espanha, Inglaterra e França, por exemplo, e com resultados negativos), nem podemos apostar numa reforma dos modelos de formação inicial que empurrem os novos professores para uma diminuição irrecuperável da sua formação científica e pedagógica de base. Esta perde-se rapidamente, se não for acompanhada de um plano sólido de formação ao longo da vida.

Estando a formação contínua em Portugal num estado caótico em que tudo vale como formação, tendo nós um modelo de avaliação de desempenho profissional de professores que tudo mede excepto o mérito que devia promover, arriscamos não só a ficar sem professores como a desvalorizar aqueles que ainda assim conseguimos formar por não termos um plano estratégico para a sua formação ao longo da vida.

Existem várias políticas europeias direccionadas para a formação contínua de professores, tais como: a estratégia European Union’s Education and Training 2020; o European Commission’s Key Competences Framework for Lifelong Learning; o European Qualifications Framework; e a European Agency for Special Needs and Inclusive Education. Todas estas políticas e quadros reconhecem a importância da formação contínua de professores na promoção de uma educação de elevada qualidade e da aprendizagem ao longo da vida na Europa.

A partir daqui, vários países têm investido (em Portugal fala-se sempre em despesa em educação e não em investimento) nos seus próprios programas de formação contínua de professores, em consonância com estes objectivos, por exemplo: o Education Development Trust e o National Professional Qualification for Senior Leadership (Reino Unido), o Qualitätsoffensive Lehrerbildung (Alemanha), o Plan académique de formation e o Plan national de formation (França), o Piano Nazionale di Formazione e a Formazione Continua Docenti (Itália) ou o Plan de Formación del Profesorado (Espanha).

Em Portugal, não existem planos deste tipo e, na prática, a formação contínua de professores pode ser efectuada livremente por várias entidades. Cada um dos programas nacionais tem as suas metas e objectivos específicos, mas todos eles visam ajudar os professores a melhorar as suas competências e conhecimentos para melhor servir os seus alunos. A questão central aqui é a natureza da formação ministrada, com fraca ligação à melhor investigação realizada em ambientes de ensino superior.

De qualquer forma, faz pouco sentido a estratégia portuguesa actual que passará por uma revisão da formação inicial de professores sem olhar para toda a carreira de um professor. Esquecemo-nos que sem esse investimento muitos professores profissionalizados abandonarão a carreira a meio e, com os acontecimentos dos últimos meses, essa será outra tragédia paralela à já anunciada falta de candidatos a professor.

De um ponto de vista político, a oferta de incentivos financeiros, como bónus ou reembolsos para programas de formação profissional contínua, pode ser uma forma eficaz de encorajar os professores a participarem no desenvolvimento profissional e a inscreverem-se em programas nacionais adaptados à formação avançada em modelos de formação híbridos ou à distância. Isto pode ser especialmente importante para os professores que podem não ter os meios financeiros para pagar os seus próprios programas de formação profissional contínua ou para se deslocarem regularmente às instituições de ensino superior para frequentarem esses programas.

Falta apostar numa agenda política de emergência nacional para a educação. Não é com remendos legislativos que corrigimos tantas brechas no sistema educativo português. Uma escola sem professores não funciona e um país sem escolas afunda-se. A Europa, no seu todo, precisa de reagir a esta previsível crise humanitária (a educação sem educadores). Não precisamos de mais leis, agendas ou estudos. Precisamos de acções e de coragem política para valorizar a profissão docente e dar-lhe a dignidade que merece.

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