Os detectives sem pensamento

É estranho chamar Comissão da TAP a algo que não tem nada a ver com a empresa. Associa-se a TAP a confusão e “trapalhada” e, portanto, quanto mais depressa o Estado se vir livre dela melhor…

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O grande meio de comunicação, que são os vários canais de televisão, constitui “a verdade” e orienta a política para a população em geral. Cada “jornal” é constituído pelo folhetim detectivesco a que chamam “comissão” da TAP, seguido do boletim da guerra a mostrar cidades destruídas, muitas vezes com imagens de arquivo e mais um ou outro caso de detectives que, escavando bem, o Ministério Público vai descobrindo e transmitindo através dos canais do costume. Através das redes sociais tudo isto é depois transmitido, devidamente distorcido, ampliado, interpretado, com a impunidade de quem não assina por baixo.

Chega a milhares, a elite que lê jornais, embora alguns também detectivescos. Mas o país tem milhões de pessoas que pensam através do ecrã. E estamos nisto. Dando pasto ao populismo, ao ódio, à calúnia, ao apelo a riscar do mapa alguns políticos. “Riscar” faz lembrar tanta coisa… Quanto a propostas concretas, estamos no terreno dos detectives sem pensamento.

É estranho chamar Comissão da TAP a algo que não tem nada a ver com a empresa TAP. Se tivesse, daria que pensar porque é que se quer privatizar uma empresa que teve em 2022 um resultado operacional de 268,2 milhões de euros e um lucro de 65,6milhões, recuperando os seus passageiros, depois da crise e depois da desastrosa gestão privada, a qual deixou em 2020 uma dívida de 2,3 mil milhões de euros. Estranho caso o desta ideologia que acha que tudo o que é privado é bom. Pouco científica a posição dos discípulos de Cavaco que não olham para o desastre das outras privatizações. Desastre para o Estado e desastre para o público, que se vem a reflectir nos preços: EDP (perda para o Estado de 18,6 milhões), REN (perda de 4,3 mil milhões), Galp (perda de 25 mil milhões), CTT (perda de 3,758 mil milhões), ANA (perda de 11,2 mil milhões de euros).

Se isto, e mais a condição dos milhares de trabalhadores da TAP, fosse falado na Comissão com este nome, talvez fizesse reflectir as pessoas. Em vez disso, associa-se a TAP a confusão e “trapalhada” e, portanto, quanto mais depressa o Estado se vir livre dela melhor…

Quanto ao PSD e ao seu líder, o que sabemos dele é que quer ir para a frente na fila, dizendo ao PS que dê “o lugar aos outros”, como no grupo de adolescentes que só têm uma bicicleta e algum reclama passar à frente.

  • Não sabemos, por exemplo, o que pensam sobre habitação. E é bom que o PS se explique e concretize.
  • Não sabemos o que pensam do Serviço Nacional de Saúde. E é bom que o PS perceba que, afinal, este não tem uma questão de “gestão”, mas sim de remunerações aos seus profissionais, como aliás acaba de ser dito especificamente por Bruxelas, como condição para continuar a conceder dinheiro.
  • Não sabemos o que pensa o PSD da utilização dos dinheiros do PRR nas várias áreas, entre elas a criação de Unidades de Saúde Familiar e a Digitalização na Saúde. E é bom que o PS acorde, porque, neste último ponto, dos 300 milhões programados já lá vão 58 para pequenas e grandes empresas, sem que nenhum projecto exista para o Processo Clínico Digital Único.
  • É bom que o PSD se explique a respeito de salários, sem ser a fórmula mágica e enganosa de um dos arautos, que diz que, se baixarem os impostos, é logo possível e desejável aumentar salários. Posição que coincide com a da Iniciativa Liberal. Pergunta-se então se, baixando os impostos, é possível haver serviços de Saúde e de Educação tendencialmente gratuitos e universais. Se, baixando os impostos, é possível uma Administração Pública de qualidade, actualmente muito desigual.

São estas as questões que estão em cima da mesa. Questões que o Governo do PS deverá resolver com rapidez e eficácia, mas sobre as quais também não sabemos o pensamento da oposição de direita. É sobre tudo isto que não se tem discutido propostas concretas. É sobre tudo isto que temos de falar. Ou “ir para a rua gritar”. Antes que gritem as vozes do ódio e do oportunismo.

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