A cultura: caminhos para uma estratégia de marketing territorial

O país mudou muito nas últimas décadas. A cultura e a (boa) programação cultural encontram-se por todo o lado, e não apenas nas áreas metropolitanas, ou no litoral.

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Um turista que se aventure para lá dos roteiros óbvios e aceite ser surpreendido pelas muitas maravilhas escondidas pelo “interior” descobrirá uma parte de Portugal irrequieta e arrojada. O turismo no interior não se faz apenas pelas paisagens de tirar o fôlego, pelos projectos de alojamento local de charme, pelas novas paisagens agrícolas que se adaptam aos tempos e mercados ou pela valorização de monumentos emblemáticos. Faz-se também por uma oferta cultural dinâmica, irreverente e inesperada.

Para lá do trabalho que municípios, associações e pessoas têm desenvolvido na preservação das manifestações culturais de cariz etnográfico que testemunham a memória dos lugares, Portugal tem hoje por todo o território uma agenda cultural para todos os públicos. Quem se deslocar a Marvão poderá assistir ao Festival Internacional de Música de Marvão (FIMM), um dos mais ambiciosos festivais de música clássica oferecidos pelo nosso país e que reúne alguns executantes e maestros de nível mundial, sempre com uma programação que surpreende e arrisca. Em Mértola, experienciar o potencial cultural (e científico) de um projecto ímpar em Portugal, assente na herança do islamismo. Em Idanha-a-Nova, no Centro Cultural Raiano, em Sabrosa, no Espaço Miguel Torga, e em muitos outros espaços do país, assistimos a uma programação ecléctica de enorme dinamismo que mistura tradição com cosmopolitismo. Culturalmente, o interior não se rende. Reinventa-se.

Baião tem vindo a dar passos seguros na alteração do paradigma da oferta cultural numa região entre o litoral e o interior. No último ano, a pretexto da inauguração do Mosteiro de Ancede Centro Cultural de Baião (MACC – Baião) esteve patente uma grande exposição de arte internacional, que exibiu pinturas de Picasso, Dali, Warhol, Paula Rêgo, Vieira da Silva entre muitos outros. Actualmente, está disponível para o público uma grande exposição retrospectiva da vida e obra de Mestre Cargaleiro, com um acervo de 67 peças de pintura, desenho, azulejaria e cerâmica.

Paralelamente, na ruína consolidada do antigo Mosteiro de Ancede, para lá da viagem na história, o visitante pode encontrar três instalações da artista plástica da nova geração Cristina Rodrigues.

O país mudou muito nas últimas décadas. A cultura e a (boa) programação cultural encontram-se por todo o lado, e não apenas nas áreas metropolitanas, ou no litoral. Hoje, todo o país é cosmopolita. Bebemos dos mesmos referenciais culturais e temos um acesso democratizado à cultura. Mais: precisamos da cultura. De todas as formas, para todos os públicos, em todos os lugares, mesmo nos mais inesperados. Ao contrário de alguma ideia propalada de que no interior pouco acontece, estes territórios apresentam um conjunto de projectos culturais que nada devem aos tradicionais pólos culturais do país, mostrando que há (muito mais) vida para lá de Lisboa e do Porto, ou mesmo das capitais de distrito.

E sempre houve. Enquanto as duas principais cidades do país disponibilizavam manifestações culturais urbanas, cosmopolitas e internacionais, os territórios mais afastados daqueles pólos, apresentavam uma enorme pujança cultural, assente nas manifestações profundamente enraizadas nas tradições populares: os ranchos folclóricos, os cantares populares, as bandas filarmónicas locais, o teatro amador, a concertina, o artesanato, os cantares à desgarrada... e, muitas vezes, com um número de actuações e espectadores que nada deviam às dos espaços urbanos.

Curiosamente, o trabalho de valorização empreendido na preservação das tradições coloca os territórios mais afastados dos centros urbanos numa situação privilegiada, ao conferir-lhes o potencial de efectuar sínteses e fusões entre formas artísticas diversas, num diálogo de reinvenção cultural.

A modernização do país, impulsionada com o grande ciclo de infra-estruturas e equipamentos permitido pelos fundos comunitários, encontra-se em conclusão. Actualmente, a aposta dos municípios passa pela valorização do imaterial, da autenticidade e pela qualidade de vida oferecida nos mais diversos lugares do país. A oferta cultural é um dos activos estratégicos para aquelas aspirações subjectivas de “qualidade de vida”. Para os residentes, e permitindo novos motivos de interesse para os visitantes, alavancando estratégias de marketing territorial que unem a tradição ao cosmopolitismo e à modernidade.

Com uma estratégia comum, união de vontades, diálogo e cooperação, Portugal, fruto das condições climáticas, paisagísticas, de hospitalidade ou de segurança, tem condições para se tornar um enorme anfiteatro cultural europeu.

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