Fundos meus, fundos meus: há Portugal mais importante do que o meu?

E se o Olaf (Organismo Europeu Anti-Fraude) tivesse competências para abrir investigações de fraude em casos nacionais que envolvessem a atribuição, pagamento e fiscalização de fundos europeus?

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António Ferreira dos Santos, Inspector-Geral das Finanças (IGF), integra a Comissão de Auditoria e Controlo, cujo objectivo é auditar as contas das entidades que recebem fundos europeus. Tem uma bizarra noção do que significa “defender os interesses de Portugal”, como Susana Peralta demonstra tão bem.

Numa audição a uma comissão no Parlamento, António Ferreira dos Santos faz esta afirmação preocupante, sobre o trabalho de auditoria: “Se não dermos um parecer positivo [...] corre-se o risco de suspensão de pagamentos”. E diz que faz “o suficiente (...) para garantir que (...) os pareceres são sempre aprovados, isto é, a torneira dos dinheiros europeus não fecha”. Portanto a preocupação do auditor não é em garantir a solidez e integridade das contas apresentadas, até porque nessa mesma audição o Inspector-Geral descreve em detalhe como modificou um parecer por mero pedido do auditado. Como pode o membro da entidade responsável por fiscalizar estas contas demitir-se dessa mesma função, em benefício do auditado?

Para agravar, esta Comissão de Auditoria e Controlo aparenta estar subfinanciada e até mal-estruturada:

Quando vem cá uma missão do Tribunal de Contas Europeu, eles pedem informação sobre cinco ou ou seis projectos, têm só quatro pessoas que estão a ver aqueles cinco ou seis projectos. Chegam cá e têm perguntas mais específicas a que às vezes nem o próprio gestor sabe responder. Não temos naturalmente essa capacidade de resposta na nossa intervenção.” António Ferreira dos Santos

É uma comissão que precisa de mais recursos e de uma estrutura mais sólida e independente. Acontece que é uma jogada clássica em Portugal desinvestir-se nas estruturas de fiscalização, criando-se as ditas cujas apenas para se poder afirmar a sua existência. Em bom português, fiscalização para inglês ver.

Mas e se adicionássemos uma camada europeia de escrutínio directo? E se tivéssemos auditores que, não sofrendo do problema de vestirem demasiado a camisola, se dedicavam a auditorias mais rigorosas, apertando a malha ao uso indevido de fundos europeus?

Eis que o Olaf pode entrar em acção. O Olaf, ou Organismo Europeu Anti-Fraude, foi criado com o objectivo de investigar casos de fraude e uso indevido de fundos europeus por parte de funcionários europeus, entre outras competências. Se, por um lado, o Olaf já tem a competência para abrir investigações sobre o uso indevido de fundos comunitários, estas investigações estão limitadas à esfera europeia. Isto é, se o caso de fraude ou uso indevido de fundos não envolver um funcionário de instituições europeias e ocorrer a nível nacional ou regional, o Olaf não tem jurisdição para abrir investigações.

Precisamos da iniciativa de investigações a casos nacionais por parte do Olaf! Expandir o mandato deste organismo para incluir investigações nacionais teria a vantagem de se tratar de uma instituição distante da realidade local dos Estados-membros e, portanto, mais impermeável aos facilitismos demonstrados pela IGF. Além disso, numa altura em que o Estado de Direito está em causa em Estados-membros como a Hungria e a Polónia, onde existem fortes indícios de corrupção na execução nacional dos fundos europeus, fazia todo o sentido que a União Europeia se dotasse do seu próprio “detective”, capaz de apontar a lanterna aos casos mais obscuros que temos, infelizmente, um pouco por toda a nossa União.

É um de tantos casos em que a União Europeia pode, e deve, mostrar a sua relevância junto dos cidadãos para lutar contra a corrupção e fraude nos Estados-membros. É ainda em interesse próprio, uma vez que os casos relatados dizem respeito ao erário público europeu, que a UE deve procurar garantir que o dinheiro é bem aplicado, eficaz e legitimamente.

Com as eleições europeias já marcadas para de entre 6 a 9 de junho de 2024, eis mais um motivo pelo qual é vital discutirmos e mobilizarmo-nos pela União Europeia e pelo seu futuro.

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