A falta de emprego na Índia “é uma bomba-relógio” para os mais jovens

A economista Jayati Ghosh chama ao dividendo demográfico do país “uma bomba-relógio”. “Não se trata apenas de uma questão de perda potencial para a economia... é uma geração perdida.”

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Nizamudin Abdul Rahim Khan, 23 anos, posa para uma fotografia num beco de um bairro de lata em Bombaim, na Índia Reuters/NIHARIKA KULKARNI

Numa tarde quente de Verão, Nizamudin Abdul Rahim Khan, 23 anos, joga críquete numa estrada de terra lamacenta, no bairro de lata de Rafiq Nagar, na capital financeira da Índia, Bombaim.

Aqui, há poucas provas do rápido crescimento económico da Índia. Na fronteira com o que outrora foi a maior lixeira da Ásia, Rafiq Nagar e as áreas circundantes albergam cerca de 800 mil pessoas, a maioria a viver em quartos minúsculos em ruelas estreitas e escuras.

Os jovens da zona lutam para encontrar emprego ou trabalho e na maioria das vezes passam o dia a perder tempo, diz Naseem Jafar Ali, que trabalha com uma ONG na zona. O desemprego nas cidades da Índia disparou durante a pandemia de covid-19, atingindo um máximo de 20,9% no trimestre de Abril a Junho de 2020, ao mesmo tempo que os salários baixavam. Embora a taxa de desemprego tenha diminuído desde então, há menos empregos a tempo inteiro disponíveis.

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Naseem Jafar Ali REUTERS/Niharika Kulkarni

Os economistas afirmam que cada vez mais pessoas à procura de emprego, especialmente os jovens, procuram trabalho ocasional mal remunerado ou recorrem a trabalho independente pouco fiável, apesar de se prever que a economia indiana em geral cresça a uma taxa de 6,5% no ano financeiro que termina em Março de 2024.

A Índia está a ultrapassar a China e a tornar-se a nação mais populosa do mundo, com mais de 1,4 mil milhões de pessoas. Cerca de 53% da população tem menos de 30 anos, o tão falado dividendo demográfico, mas sem emprego, dezenas de milhões de jovens estão a tornar-se um entrave para a economia.

"O desemprego é apenas a ponta do icebergue. O que fica escondido é a grave crise do subemprego e do desemprego disfarçado", afirma Radhicka Kapoor, membro da agência de análise económica ICRIER.

Khan, por exemplo, trabalha ocasionalmente em reparações domésticas ou na construção, ganhando apenas cerca de dez mil rupias indianas (112 euros) por mês para ajudar a sustentar o pai e as quatro irmãs. "Se eu arranjar um emprego permanente, não haverá problema", diz.

O risco, para a Índia, é um ciclo vicioso para a economia. A queda da taxa de emprego e dos rendimentos prejudica as possibilidades de alimentar o crescimento económico necessário para criar empregos para a sua população jovem e em crescimento.

A economista Jayati Ghosh chama ao dividendo demográfico do país "uma bomba-relógio". "O facto de termos tantas pessoas com formação, que gastaram muito do seu dinheiro ou do dinheiro da sua família, mas que não conseguem encontrar os empregos de que necessitam, é aterrador", afirma. "Não se trata apenas de uma questão de perda potencial para a economia... é uma geração perdida."

Salários de 197 euros

O desemprego é muito mais grave nas cidades da Índia, onde o custo de vida é elevado e onde não há apoios sob a forma de um programa de garantia de emprego que o governo oferece nas zonas rurais. Mesmo assim, muitos dos desempregados das zonas rurais deslocam-se para as cidades em busca de emprego.

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REUTERS/Niharika Kulkarni

Embora o desemprego urbano tenha sido de 6,8% no trimestre de Janeiro a Março, a percentagem de trabalhadores urbanos com empregos a tempo inteiro diminuiu para 48,9% em Dezembro de 2022, de um valor já baixo de 50,5% pouco antes do início da pandemia, segundo dados do governo.

Isto significa que, da força de trabalho urbana estimada em cerca de 150 milhões, apenas 73 milhões têm empregos a tempo inteiro.

Para as pessoas em áreas urbanas com empregos a tempo inteiro, os salários médios mensais, ajustados pela inflação, situaram-se em 17.507 rupias (197 euros) no trimestre de Abril-Junho de 2022, o último período para o qual existem dados governamentais disponíveis. Desde a decisão do governo indiano de desmonetizar 86% da moeda do país em circulação em 2016, tem havido ataques contínuos à viabilidade das pequenas empresas, sendo a pandemia a mais recente.

Mais de dez mil micro, pequenas e médias empresas fecharam as portas só em 2022-23 (Abril a Março), disse o governo, no parlamento, em Fevereiro. No ano anterior, mais de seis mil dessas unidades fecharam. Mas o Governo não especificou se foram criadas novas empresas durante esses períodos.

Pintor com diploma

Muitas famílias do bairro de Khan foram afectadas pela perda de emprego e pela diminuição dos rendimentos nos últimos anos. Os jovens trabalhadores são particularmente vulneráveis.

Arshad Ali Ansari, estudante de 22 anos, disse que viu o irmão e a irmã perderem o emprego logo após o início da pandemia.

Sentado num quarto individual com uma cozinha em anexo, onde vive com oito pessoas, Ansari disse que sobrevivem com os rendimentos do seu pai, de 60 anos, cerca de vinte mil rupias por mês. O irmão, que é licenciado e tinha trabalhado num banco, perdeu o emprego durante a pandemia e teve de se juntar ao pai na pintura de casas. "O meu irmão tinha formação, tinha experiência", disse Ansari.

A irmã, outrora assistente social, também perdeu o emprego e toda a esperança de encontrar um trabalho novo.

A Índia terá de criar 70 milhões de novos postos de trabalho nos próximos dez anos, escreveu Pranjul Bhandari, economista-chefe do HSBC para a Índia, numa nota publicada no início deste mês. Mas é provável que sejam criados apenas 24 milhões, deixando para trás "46 milhões de empregos em falta".

"Deste ponto de vista, uma taxa de crescimento de 6,5% resolverá um terço do problema do emprego na Índia", escreveu Bhandari.

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