Sobre Vladimir Pliassov: um esclarecimento

Demarco-me do gesto do reitor da Universidade de Coimbra, tanto mais que colocou em causa a honra profissional e pessoal de um docente a quem a nossa universidade muito deve.

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No biénio de 2021-2023 exerci o cargo de diretor do Departamento de Línguas, Literaturas e Culturas da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (FLUC). Isto significa que, apesar do estatuto de autonomia de que goza o Centro de Estudos Russos (CER), passaram por mim questões contratuais e outras, já que o ensino da língua russa se integra nos cursos do departamento. Convém notar que a história do CER na FLUC se confunde com o trabalho do leitor de língua e cultura russas, o doutor Vladimir Pliassov, trabalho esse que se desdobrou em dois períodos: um primeiro período, anterior à criação do CER em 2012, e o período posterior.

A partir do momento em que a FLUC pôde contar com o apoio da Fundação Russky Mir, e como de resto sucede com apoios deste tipo no ensino dos idiomas, fornecidos por embaixadas, o ensino do russo ganhou outra dimensão na Faculdade de Letras (decerto como terá sucedido na Universidade do Minho, que beneficiou também do apoio dessa Fundação). Tendo o biénio em causa coincidido com a invasão da Ucrânia pela Federação Russa, o diretor da FLUC, doutor Albano Figueiredo, decidiu, com o meu acordo, e com o pleno conhecimento da reitoria, renunciar ao financiamento da Fundação, mantendo embora em funcionamento o CER, dentro do princípio de que era necessário preservar o ensino da língua, literatura e cultura russas, mesmo perante a agressão militar à Ucrânia.

Desde o momento da invasão russa, porém, os apelos nas redes sociais ao encerramento do CER foram constantes, motivados por pura rejeição ideológica. Nunca se nos afigurou, a mim e ao diretor da FLUC, que tais ataques, pela sua própria inconsistência, justificassem uma inibição do trabalho do doutor Pliassov, tanto mais que sempre estivemos em consonância na defesa de uma perspetiva estritamente universitária nesta matéria.

Devo esclarecer ainda que ao longo do meu mandato não recebi qualquer queixa proveniente de qualquer estudante em relação ao trabalho do doutor Pliassov. Ou seja, e perdoe-se-me a redundância, que neste caso será virtuosa, além de indispensável: não recebi nenhuma queixa relativa ao trabalho pedagógico do referido docente, assim como não recebi nenhuma denúncia de eventuais ocorrências de um discurso apologético da causa russa no conflito atual.

Foi, pois, com perplexidade que, pouco após ter terminado o meu mandato, tomei conhecimento da decisão do reitor da Universidade de Coimbra, cessando unilateralmente o contrato de trabalho do doutor Pliassov. Esclareço que o doutor Pliassov tinha já atingido a idade de reforma, encontrando-se ao serviço, graciosamente, por uma única razão: a grande dificuldade com que a FLUC se deparou para encontrar um substituto para ele no atual contexto, a que se somou a disponibilidade do docente para desempenhar funções neste ano letivo, de modo a permitir que o ensino do russo na FLUC não fosse interrompido (um gesto que agradeci enquanto diretor do departamento). A disponibilidade do doutor Pliassov enquadra-se no que foi o seu comportamento enquanto docente na FLUC ao longo das décadas em que nela prestou serviço. Não consigo, pois, perceber em que factos se baseou o reitor da Universidade de Coimbra para cessar o contrato de um colega sem o exercício de qualquer contraditório.

Obviamente, enquanto docente da FLUC e enquanto ex-diretor do Departamento de Línguas, Literaturas e Culturas dessa Faculdade, demarco-me do gesto do reitor da Universidade de Coimbra, tanto mais que tal gesto colocou em causa a honra profissional e pessoal de um docente a quem a nossa universidade muito deve, o doutor Vladimir Pliassov. Manifesto a minha solidariedade para com esse colega e espero, e desejo, que esta situação, que só pode repousar num equívoco, se esclareça e o doutor Pliassov possa ser reintegrado em funções, de modo a proceder ainda à avaliação dos/as estudantes que ensinou ao longo deste ano letivo.

De igual modo, demarco-me do comportamento do reitor da Universidade de Coimbra em relação ao diretor da FLUC, que não consultou nem informou previamente, ao arrepio do que é, e deve ser, o comportamento institucional de um reitor face às faculdades, não por acaso designadas no atual RJIES como Unidades Orgânicas da universidade.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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