Dias de luto: um convite ao legislador

Pela interpretação do STJ, se a morte de “parente ou afim na linha reta ou no 2.º grau da linha colateral” ocorresse numa sexta-feira, o trabalhador já não teria direito a qualquer falta justificada.

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O período de luto é sinónimo de sofrimento. É, também, um período de burocracia, de decisões e, muitas vezes, de litígios. Aprender a viver com a ausência de quem nos é querido, com as mudanças de rotinas que podem ter décadas, de um dia para o outro, ao mesmo tempo que a vida não para, a nível pessoal e profissional, não é fácil. E se, no meio deste panorama, os dias que a lei prevê que um trabalhador possa faltar ao trabalho justificadamente podiam já parecer "curtos" em algumas situações, a mais recente interpretação do Supremo Tribunal de Justiça a este respeito veio encurtá-los ainda mais.

A quem é trabalhador a lei confere os chamamos dias de nojo – as faltas motivadas pelo falecimento de um familiar e que são consideradas, para todos os efeitos, como justificadas. Varia apenas o número de dias que se pode faltar, sendo que agora há duas interpretações "mais oficiais" que as empresas podem seguir (e não pretendo com isto dizer que a interpretação feita pelo STJ e aquela que é feita pela ACT têm o mesma valor ou que uma é mais certa do que a outra).

De acordo com a interpretação feita pelo STJ, no seu acórdão do passado mês de abril, a expressão "dias consecutivos" deverá ser entendida como dias corridos, sejam dias de trabalho ou não. Ou seja, um trabalhador pode faltar a um dia de descanso semanal. E esta interpretação faz toda a diferença.

A ser seguida a interpretação do STJ, na eventualidade de um “outro parente ou afim na linha reta ou no 2.º grau da linha colateral” de um trabalhador vir a morrer numa sexta-feira, o trabalhador não irá, em bom rigor, gozar de nenhuma falta justificada, porque nos dois dias seguintes já não ia trabalhar de qualquer forma. Idêntica consequência se aplica às faltas por luto gestacional aprovadas recentemente no âmbito da Agenda do Trabalho Digno. Honestamente, não estou em crer que tenha sido esta a intenção do legislador.

A ACT, por sua vez, tem vindo a considerar (e referiu já que irá manter o seu entendimento) que as faltas têm de se verificar a um dia de trabalho, pelo que ficam excluídos os dias de descanso semanal. Entendimento que, a meu ver, encontra suporte legal na própria noção de "falta", que significa a ausência de onde se deveria estar presente.

Para o STJ, se o legislador quisesse que fosse assim, teria feito referência a "dias úteis", e não a dias consecutivos. Como não o fez, é porque os dias consecutivos devem ser considerados como dias seguidos, sejam de trabalho ou não.

Na minha modesta opinião, os dias consecutivos aqui deveriam ler-se por oposição a dias interpolados, no sentido em que as faltas são corridas, mas no que a dias de trabalho diz respeito, por oposição ao gozo de faltas em dias intercalares.

Ainda que o recente acórdão do STJ possa apontar a interpretação que os tribunais de Trabalho poderão vir a fazer de futuro nesta matéria, que é o de se considerarem incluídos os dias de descanso semanal, o mesmo não é uniformizador de jurisprudência. Neste sentido, e ainda que esta possa ser uma interpretação válida, poderão, ainda assim, vir a ser proferidas decisões judiciais com uma interpretação diferente, nomeadamente a de que os dias de descanso não estão incluídos nos "dias consecutivos" e, por conseguinte, que as faltas são mesmo aos dias de trabalho.

Podem, assim, as empresas fazer uso da sua interpretação e os trabalhadores, caso se sintam prejudicados, podem recorrer judicialmente. Pode ser que, assim, se venham a dissipar dúvidas no futuro.

Em todo o caso, instalada que está a confusão sobre como é feita a contabilização dos dias de faltas por nojo, convido o legislador a vir esclarecer, com boa técnica legislativa e numa próxima revisão, a breve trecho, se as faltas são aos dias de trabalho ou se também devem ser considerados os dias de descanso semanal.

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