Long covid ou condições pós-covid na saúde individual e na Saúde Pública

Há duas long covid-19: a dos impactos na saúde individual e a dos impactos sociais, nos serviços de saúde e na saúde coletiva e nos seus determinantes. Ambas requerem diagnóstico abrangente.

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Muito se falou sobre a long covid-19, agora mais bem referida como um conjunto de diferentes condições a que se pode chamar condições pós-covid que podem afetar até cinco pessoas em cada dez. Apesar da incerteza, muita investigação aponta para que a covid-19 cause um conjunto de sintomas – fadiga, falta de ar, depressão, falta de concentração, dor de cabeça e tonturas – que limitam a qualidade de vida de uma quantidade significativa de pessoas e que, entre essas, muitas têm sintomas a longo prazo. No entanto, vários estudos mostraram também que a covid-19 aumenta o risco de vários problemas de saúde, como enfartes, AVC e doenças neuropsiquiátricas e auto-imunes, pelo menos até um ano após a infeção.

As condições pós-covid e as doenças provocadas pela covid-19 podem representar mais um peso para os sistemas de saúde já em sobrecarga e perante vários desafios demográficos e défice de atratibilidade para os profissionais de saúde, após a fase aguda da pandemia.

No entanto, este é apenas um aspecto de um problema maior. A medicina trata da saúde individual e a Saúde Pública trata da saúde colectiva e dos seus determinantes e respostas estratégicas. Ambas têm que fazer diagnósticos, selecionar estratégias de intervenção e avaliar os seus resultados, apoiadas no método científico.

Estas condições pós-covid da sociedade e de saúde pública precisam, antes de se poder atuar, de ser compreendidas. Ou seja, é necessário efetuar o diagnóstico transparente de saúde pública. No diagnóstico individual é perguntado ao utente a sua história, são feitos exames. No diagnóstico de saúde pública precisamos de dados de diferentes sistemas de informação. O acesso a esses dados pelos serviços de saúde em vários níveis e pela academia é fundamental para se poder saber o que se está a passar e se poder intervir, após seleção das melhores estratégias com base na evidência e na discussão aberta com parceiros relevantes, e avaliação dos resultados. A isto se chama planeamento em saúde.

Temos vários long covid sociais e de saúde pública e ainda só vislumbramos alguns deles. A questão dos recursos humanos no SNS pode ser vista também como uma sequela pós-covid, em que a saída de profissionais em algumas áreas e a tentativa de fazer o mesmo com menos recursos pode ter levado a que mais profissionais tenham abandonado o Serviço Nacional de Saúde. Mas a verdade é que isto é apenas uma hipótese. Precisamos de um diagnóstico que nos mostre o que está a acontecer, a que velocidade e quais as causas do abandono do SNS, para poder ser mais consensual e facilitada a decisão e a discussão sobre as estratégias a seguir.

Existem muitas outras “condições pós-covid” em saúde pública: alterações climáticas e os seus impactos na economia e na saúde, alterações nos determinantes e incidência de problemas de saúde mental, a par com outras alterações sociais pós-pandémicas ainda mal compreendidas, como a utilização das redes sociais e a redução de redes de suporte e de relacionamento social e cultural, alterações nos comportamentos de risco em doenças infeciosas e sexualmente transmissíveis, alterações relacionadas com o sedentarismo e atividade física, aumento do consumo de substâncias em alguns grupos, alterações na ciência, na organização do trabalho, na saúde e outras áreas sociais e culturais que não conseguimos ainda descrever, mas que é fundamental vermos e compreendermos.

Os serviços de saúde pública, nomeadamente as Unidades de Saúde Pública e os Departamentos de Saúde Pública regionais, em parceria com os municípios, são a linha da frente em vários diagnósticos e intervenções de nível local através dos Planos Locais de Saúde. A Direção-Geral de Saúde e outros organismos concretizam estes objetivos a nível nacional. A academia e as universidades devem apoiar técnica e cientificamente estes esforços podendo realizar diagnósticos independentes e contribuir para a definição de estratégias e avaliação das mesmas, num período de desafios para a saúde pública, para os cuidados de saúde e para a sua sustentabilidade e acima de tudo, para a saúde e acesso a cuidados de saúde pelos cidadãos portugueses.

Precisamos destes diagnósticos para selecionar e discutir estratégias, decidindo para onde queremos ir. Precisamos de dados e de investigação para o fazer, nos serviços de saúde e na academia, para planear e proteger a saúde e bem-estar das pessoas. De outra forma, discutir apenas opiniões e perceções dificulta a decisão e abre espaço a abordagens menos robustas que podem ser menos consensuais e menos benéficas para a saúde e bem-estar das pessoas e da sociedade.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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