Durante a infância, fiz algumas viagens de avião sozinha. Já nos anos 80, as companhias aéreas dispunham de um serviço específico para menores não acompanhados, garantindo que a criança fosse entregue no local de destino a um determinado familiar. Recordo-me de, durante o voo, haver adultos a fumarem mesmo ao meu lado. Há menos de 40 anos, era aceitável expor crianças ao fumo passivo, durante várias horas, num local sem ventilação.

Desde 1996, é proibido fumar em aviões portugueses. E não é só a lei quem o diz, as nossas práticas sociais também acompanharam a moldura legislativa. Hoje ainda podemos encontrar cinzeiros nas aeronaves, mas todos entendemos que é inconcebível acender um cigarro em pleno voo. Houve uma mudança de regras e comportamentos claramente impulsionada pelo conhecimento científico. Algo semelhante precisa de acontecer agora em relação aos plásticos.

Não nos faltam estudos a mostrar que os resíduos plásticos constituem um problema ambiental gravíssimo. Mas a produção global tem aumentado, ao invés de diminuir. Milhões de toneladas de plástico são produzidas anualmente e uma boa fatia destes materiais acaba no oceano, causando danos aos ecossistemas marinhos.

 
           
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          Reciclagem de embalagens: qual o contributo de Portugal?

A reciclagem tem evoluído de forma positiva, em Portugal, mas abaixo da média europeia. Apostar na reciclagem de embalagens de cartão para líquidos é estratégica para acelerar o passo.

         
           
 

Nós também, humanos, somos directamente afectados : diversos artigos comprovam a presença que nanoplásticos em órgãos, na corrente sanguínea e até no leite materno. Pedaços grandes, médios e minúsculos de plástico estão por toda a parte, e isso inclui os nossos corpos.

Havendo tanta informação científica a atestar o problema, o que é que fizemos até agora? Bem, tentámos apostar no remedeio. Para contornar os plásticos à base de petróleo, surgiram novos materiais feitos, por exemplo, a partir de celulose ou de ácido poliláctico (PLA, na sigla em inglês). Rapidamente começamos a tratá-los por "bioplásticos", porque tudo o que tem o prefixo da "vida" só pode ser uma coisa boa. Mas a dura realidade é que nem todos os plásticos alternativos são necessariamente compostáveis ou biodegradáveis.

Têxteis produzidos a partir do ácido poliláctico podem permanecer intactos na água salgada durante mais de um ano. É o que revela um estudo publicado, esta quarta-feira, na revista Plos One. A conclusão é surpreendente se tivermos em conta que este material é produzido a partir de açúcares e amidos presentes em vegetais como a beterraba, através de um processo de fermentação realizado por bactérias.

 "O ácido poliláctico não se degrada em condições normais, mesmo sendo promovido como ‘biodegradável’ por algumas indústrias", disse ao Azul a cientista Sarah-Jeanne Royer, primeira autora do artigo e uma voz activa no combate à poluição marinha.

À luz destes dados científicos, a investigadora recomenda que paremos de consumir produtos plásticos não essenciais na esperança de que estes sejam "bio-isto" ou "bio-aquilo". Ler os rótulos é importante. Mas a opção mais amiga do ambiente é mesmo apostar em soluções duráveis e reutilizáveis, evitando o consumo de objectos supérfluos ou descartáveis. Produzir menos resíduos é uma opção mais estratégica do que consumir na expectativa da biodegradação, ou então da reciclagem.

A reciclagem foi a outra resposta oferecida face à crise dos plásticos. Investimos em modelos de recolha e reciclagem que, como mostra a investigação do jornalista Paulo Pena, está a falhar redondamente. Criámos um labirinto de plástico e, agora, não sabemos o que fazer com o lixo que produzimos. Exportamos ilegalmente resíduos para que desapareçam da nossa frente e, assim, poluímos outros países para minimizar o falhanço dos nossos objectivos improváveis. No caso português, as metas para a reciclagem em 2030 dificilmente serão alcançáveis.

A reciclagem tranquiliza-nos porque transmite uma ideia de um novo ciclo. Queremos acreditar que o plástico é como o papel: uma vez depositados no ecoponto, envelopes e cadernos serão mastigados, transformados numa pasta e, muito em breve, estarão a viver uma nova existência sob a forma de caixas de cartão. Já não são uma folha branquinha, mas pronto, lá têm de novo utilidade. Com o plástico, não é bem assim.

Existem vários tipos de plásticos, cada um com características e pontos de fusão diferentes. Não se pode colocar tudo num caldeirão e tirar de lá matéria para produzir brinquedos e utensílios novinhos em folha. Há embalagens, por exemplo, que não podem ser recicladas porque são compostas por dois plásticos diferentes. Os plásticos pretos, por exemplo, não são detectados pelos sensores e ficam fora do sistema. Reciclar é um sistema complexo. E muito limitado também.

Só uma pequena fatia do plástico produzido é reciclada. Aproximadamente 9% em termos globais, e de 5% a 6% nos Estados Unidos, referem algumas estimativas recentes. E mesmo os materiais à base de petróleo que são reciclados estão a causar danos ambientais. Um estudo recente, conduzido num centro de reciclagem do Reino Unido, mostra que entre 6% e 13% do plástico processado pode acabar por ser libertado na atmosfera ou na água sob a forma de microplásticos.

Os dados que a ciência foi capaz de nos apresentar até agora são claros: o plástico teve um papel importante na esfera socioeconómica, mas hoje traz muito mais problemas do que soluções. Não vamos resolvê-los apenas com uma reciclagem insatisfatória e ineficiente, e muito menos com alternativas "biodegradáveis" que, afinal, não se degradam. Vamos precisar mesmo mudar as regras do jogo, como prevêem metas e propostas da União Europeia e das Nações Unidas.

Os produtos plásticos omnipresentes são hoje, para muitos de nós, a ordem natural das coisas. Podem significar conveniência quando, por um ou dois euros, compramos objectos para desenrascar, entreter ou facilitar o quotidiano. Mas, acreditem, vamos olhar no futuro para estes comportamentos com alguma incredulidade. Os nossos netos talvez nos questionem como fomos capazes de sujar um oceano inteiro em menos de um século. E, nesse momento, o uso desnecessário de plástico talvez nos pareça tão absurdo como fumar num avião ao lado de uma criança.