UNESCO admite pôr Doñana na lista do “património mundial em perigo”

Com as eleições locais espanholas agendadas para o próximo domingo, a declaração da UNESCO soa a um sério aviso. O estado de conservação de Doñana será analisado na próxima sessão do comité.

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Parque Nacional de Doñana em Abril de 2023, com alguns animais junto ao único lago ainda com água no parque Nuno Ferreira Santos
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Com as eleições locais espanholas agendadas para o próximo domingo, a UNESCO avisou o país que pode mesmo pôr o Parque Nacional de Doñana, na Andaluzia, na lista do “património em perigo”. A abertura desta porta foi feita num comunicado divulgado esta quarta-feira, em que a UNESCO lembra que já no ano passado pediu a Espanha que continue a execução do “Plano dos Morangos”, sobre a implantação de área para frutos vermelhos, na sua forma original, ou seja, sem a legalização de mais hectares, como é proposto pelo governo regional da Andaluzia.

A tomada de posição da UNESCO surge 12 dias depois de um grupo de cientistas, incluindo o biólogo português José Alves, terem promovido uma carta aberta pedindo precisamente que este organismo pusesse o parque espanhol, considerado a jóia da coroa dos parques naturais do país, na lista do “património em risco”. O documento foi assinado por dezenas de instituições internacionais de defesa das aves, associações e instituições de ensino, incluindo as portuguesas SPEA – Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves e a Speco – Sociedade Portuguesa de Ecologia.

Agora, a UNESCO vem dizer que está “preocupada” com a proposta do governo andaluz, do PP, que, segundo indica no comunicado, “poderá pôr em risco as razões exactas que levaram ao reconhecimento do Parque Nacional de Doñana como Património Mundial”. A classificação é de 1994, já depois de a UNESCO ter também declarado o parque como Reserva da Biosfera, em 1980.

No comunicado, a UNESCO lembra que o seu Comité do Património Mundial tem alertado Espanha “regularmente para a sobreexploração do aquífero e os seus possíveis impactos no sítio” classificado. “O aumento do esgotamento dos corpos de água na propriedade afecta directamente a população de aves aquáticas e é exacerbado pela seca excepcional recente, que põe a biodiversidade extraordinária do Parque Nacional de Doñana em sério risco”, lê-se no documento.

Em Janeiro de 2021, após uma visita conjunta da UNESCO, da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla inglesa) e de elementos da Convenção Ramsar (que protege as zonas húmidas), o Comité do Património Mundial “pediu a Espanha para continuar a execução urgente do ‘Plano dos Morangos’ na sua forma actual”, escrevem os responsáveis da UNESCO, acrescentando que a proposta legislativa para alterar estes planos, por parte do governo da Andaluzia, é, por isso, “contrária aos pedidos do comité”.

O estado de conservação de Doñana será analisado na próxima sessão do Comité do Património Mundial, que irá decorrer na Arábia Saudita, entre 10 e 25 de Setembro, e é nessa altura que o parque pode vir a ser incluído na lista do “património em perigo”.

Os membros do comité irão analisar o relatório conjunto da UNESCO e da IUCN, enviado por Espanha, para decidir as “medidas necessárias”. Estas podem ser de vária ordem, incluindo, a mais drástica, que será a inscrição do sítio na “Lista do Património Mundial em perigo”, o que poderá acontecer, avisa a UNESCO, se o comité “considerar que as características essenciais do sítio estão ameaçadas por perigos específicos, definidos e imediatos”.

A lista da UNESCO tem como finalidade assinalar sítios do Património Mundial que se encontram “severamente degradados, ameaçados, desprotegidos e vulneráveis”, seja por acção humana e/ou natural. Esta classificação excepcional (existem actualmente apenas 53 sítios com este estatuto) é considerada uma ferramenta muito poderosa no plano internacional, pois permite a consciencialização dos governos, organizações e sociedade civil para a necessidade de protecção do património mundial em causa.

Com a inscrição de um sítio na Lista do Património Mundial em Perigo, o comité da UNESCO pode desenvolver, em conjunto com o Estado em questão, medidas correctivas, para além de poder monitorizar as condições em que se encontra. O objectivo principal é restaurar o valor do bem para, então, o retirar dessa lista.

O Parque Nacional de Doñana viu crescer na sua envolvente milhares de hectares de projectos agrícolas dedicados à cultura dos frutos vermelhos. Agora, o governo da Andaluzia tem uma proposta para que sejam legalizados cerca de 2000 hectares de áreas de cultivo que são ilegais, o que está a ser fortemente contestado pelo Governo de Espanha, que conta com o apoio da Comissão Europeia e de vários peritos ligados à conservação do ambiente.

Cientistas que estudam as aves migratórias, como os que promoveram a carta aberta, e as associações que a eles se juntaram, acreditam que o acréscimo de área de cultivo irrigada será catastrófica para Doñana, que já viu desaparecer uma parte enorme das suas lagoas, essenciais à manutenção da biodiversidade que caracteriza o local.

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