Residência alternada: o direito a viver com ambos os pais

As evidências científicas demonstram que o princípio do superior interesse da criança dá claramente prevalência à residência alternada sobre a residência exclusiva/única.

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Nas famílias de residência alternada, os filhos habitam revezadamente com o pai e com a mãe (entre 33% e 50% do tempo com cada um) Jenny Meilihove/Getty Images
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Em sociedades democráticas como a portuguesa, que preconizam valores de igualdade social, nomeadamente o do princípio da igualdade de direitos entre o pai e a mãe, esses preceitos são expressos em determinações formais importantes. No caso, estes valores estão expressos na lei (Código Civil português), na Convenção dos Direitos da Criança, na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e sustentado pelos resultados da investigação científica — o modelo de organização familiar da residência alternada é considerado como o que melhor se adequa às necessidades das crianças e dos adolescentes após o divórcio ou separação dos pais. Este princípio sustenta que o bem-estar físico, social, emocional, comportamental e cognitivo das crianças e dos adolescentes decorre da sua possibilidade de poder viver numa participação equitativa de pais e mães na vida dos filhos e que o exercício das responsabilidades parentais cabe a ambos.

Nas famílias de residência alternada, os filhos habitam revezadamente com o pai e com a mãe (entre 33% e 50% do tempo com cada um) e beneficiam, no quadro da partilha das responsabilidades parentais legais, da permanência do envolvimento de ambos os pais no seu dia-a-dia.

Esta formulação na lei portuguesa é recente e resultou de uma análise jurídica rigorosa: “Em Portugal, o conceito de residência alternada foi recentemente consagrado com a Lei n.º 65/2020, após um intenso debate social, político e jurídico em torno do conceito de ‘presunção jurídica’. A solução legal aprovada e em vigor preconiza a residência alternada como uma solução analisada casuisticamente de acordo com o superior interesse da criança, podendo ser imposta pelo juiz contra a vontade de um dos pais” (Cunha, 2023, p. 13).

O Código Civil português estabelece as condições em que o tribunal pode decretar a residência alternada do filho em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, ou declaração de nulidade ou de anulação do casamento dos progenitores, tal como se reporta no seu art.º 1906, nos n.os 5, 6 e 8: “5 - O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais com o outro (...) 6 - Quando corresponder ao superior interesse da criança e ponderadas todas as circunstâncias relevantes, o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores, independentemente de mútuo acordo nesse sentido e sem prejuízo da fixação da prestação de alimentos (...) 8 - O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles” (itálico e negrito nosso).

A Convenção sobre os Direitos da Criança, refere no seu artigo 9.º, nos n.os 1 e 3: que: “1. Os Estados Partes garantem que a criança não é separada dos seus pais contra a vontade destes, salvo se as autoridades competentes decidirem, sem prejuízo de revisão judicial e de harmonia com a legislação e o processo aplicáveis, que essa separação é necessária no interesse superior da criança. Tal decisão pode mostrar-se necessária no caso de, por exemplo, os pais maltratarem ou negligenciarem a criança ou no caso de os pais viverem separados e uma decisão sobre o lugar da residência da criança tiver de ser tomada (...) 3. Os Estados Partes respeitam o direito da criança separada de um ou de ambos os seus pais de manter regularmente relações pessoais e contactos directos com ambos, salvo se tal se mostrar contrário ao interesse superior da criança.”

A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, Artigo 24.º, nº 3: “Todas as crianças têm o direito de manter regularmente relações pessoais e contactos directos com ambos os progenitores, excepto se isso for contrário aos seus interesses”.

As evidências científicas demonstram que o princípio do superior interesse da criança dá claramente prevalência à residência alternada sobre a residência exclusiva/única, por ser a que melhor salvaguarda as necessidades da criança (Kruk, 2012). Os estudos científicos, baseiam esta solução de organização da parentalidade em pelo menos sete evidências: 1) promover ligações mais fortes e duradouras, entre pai e filho e entre mãe e filho; 2) os filhos revelam melhor bem-estar físico, social, emocional, comportamental e cognitivo quando o pai (e a mãe) estão activamente presentes diariamente nas suas vidas; 3) uma relação mais próxima entre pais e filhos, está relacionada com a quantidade de tempo que passam juntos; 4) reduz a conflitualidade entre os pais; 5) promove a qualidade de relação dos filhos com os amigos e com os seus familiares melhora; 6) previne-se a violência familiar entre os pais; 7) diminui-se a ansiedade e a depressão dos filhos, aumentando a sua auto-estima e a autoconfiança (Delgado-Martins, 2019).

De acordo com Duarte, “ainda que a alteração legislativa não tenha consagrado a residência alternada como regime preferencial em matéria de regulação das responsabilidades parentais, como resultava da proposta da lei, deu um passo decisivo na alteração do paradigma e ideologia vigentes, sendo, é certo, tímida, mas reconhecendo já o rumo que se pretende em prol da equiparação dos progenitores e materialização do princípio da igualdade” (p. 1, 2021).

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