Os bastidores da ascensão de um ditador por Albano Jerónimo e Cláudia Lucas Chéu

O Meu Amigo H. inspira-se no texto do controverso autor japonês Yukio Mishima. A estreia é esta sexta-feira em Guimarães, no Centro Cultural Vila Flor, às 21h30.

Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Ouça este artigo
--:--
--:--

O político aproxima-se do microfone, o discurso inflama-se, o aplauso apoteótico emerge. Mas, para lá da cortina, nos bastidores, inverte-se o sentido, e o lugar é tomado pela traição, pela pequena intriga, pela disputa invisível pelo poder. É neste emaranhado que se move O Meu Amigo H., a nova peça da companhia Teatro Nacional 21, encenada por Cláudia Lucas Chéu e Albano Jerónimo, em estreia absoluta esta sexta-feira no Centro Cultural Vila Flor (CCVF), em Guimarães, às 21h30.

O ponto de partida é My Friend Hitler, texto publicado em 1968 pelo controverso Yukio Mishima, e que aborda a relação do ditador alemão com três figuras próximas: o capitalista Gustav Krupp, o sindicalista Gregor Strasser, e o militar Ernst Röhm. O destino dos dois últimos desembocou no assassinato, ordenado por Hitler na purga que ficou conhecida como Noite das Facas Longas, ocorrida em 1934.

O drama move-se entre quatro personagens que cultivam o arquétipo da masculinidade, a sede do poder e, no limite, a intolerância. Um caldo de “individualidade exacerbada”, num pano de fundo de “decapagem de valores”, que, quase um século mais tarde, ecoa nos púlpitos e nas sombras dos novos populismos. “O timing deste texto não podia ser mais pertinente, pela conjuntura nacional e internacional. Vivemos tempos extremados”, comenta Albano Jerónimo.

O fascínio do autor japonês, nacionalista convicto, por Hitler – “um génio político”, assim o chegou a designar – manifesta-se aqui “na sua plenitude”, “desde a ideia de adoração, até a uma perspectiva homoerótica”. Mas o génio para Mishima é o “monstro” para Albano, Cláudia, e Ricardo Braun, que assina a dramaturgia. “O Mishima, sendo um autor controverso, anguloso, esquinado, não convencional, é sempre permeável a uma abordagem artística, seja ela de que raiz for.” Hitler dá lugar a H., interpretado por Rodrigo Tomás. O capitalista é Virgílio Castelo, o sindicalista é Pedro Lacerda, o militar é Ruben Gomes.

Em palco, o cenário acomoda três câmaras de filmar, que transmitem num ecrã os discursos e o deambular dos personagens. A peça inicia-se com a ida de H. ao púlpito, de costas para o público, mas de face visível no ecrã. A transmissão lembra os planos da cineasta Leni Riefenstahl, o discurso evoca a vivacidade da prosódia de Hitler. É o “esqueleto da ascensão de um ditador”, diz Albano, um ditador que bem “podia ser André Ventura”, complementa Rodrigo Tomás. As expressões “pessoas de bem”, “Deus confiou-me este gabinete” ou “não podemos deixar destruir a nossa economia nacional” são parte do monólogo inicial.

A peça exclui qualquer nome do título para “ampliar o discurso” e descodificar o que assoma diante de todos. “Por norma, o discurso político que vemos na televisão carece de uma perspectiva humana. Mas onde é que fica o indivíduo? Não fica, reside todo numa espécie de metaverso, uma estratosfera à qual não acedemos”, explica Albano Jerónimo.

As interacções entre quem está no poder e quem o rodeia, a diluição entre a vida pública e a vida privada, e o modo como a pequena política, de bastidores, surge na peça são o “fumo que faz disparar o alarme”. “Vem com essa energia: uma espécie de aviso”, sintetiza o encenador.

Tudo à vista

A contracena instala-se entre o espaço físico e a projecção no ecrã. Os actores estão muitas vezes de costas e cruza-se o cenário com música e vídeo, algo que não é inédito em criações de Cláudia Lucas Chéu. A mescla entre o plano geral captado pelo espectador e o grande plano oferecido pela projecção assume-se como “um novo ponto de vista e mais uma camada de aproveitamento estético”, diz Pedro Lacerda.

Os bastidores imiscuem-se na abordagem cénica. “Aqui o pormenor, por vezes, é muito mais importante do que o resto, de tal maneira que pomos a maquina toda à mostra”, acrescenta o actor. Enquanto a trama se desenrola, vê-se toda a equipa técnica: João Pedro Fonseca, responsável pelo vídeo, entra em cena para ajustar as câmaras, e Inês Cardoso (Carincur), do som, infiltra-se nos planos projectados.

O espectáculo quer alertar para “a anestesia perante a violência”, para os “pequenos mecanismos de violência que já vamos assumindo com normalidade”, avança Albano Jerónimo. Mas também quer convocar o público a ligar-se a quem está em cena. “Gostava que se estabelecesse um pacto de ficção e que o público fosse sensível ao trabalho não só dos actores mas de toda a equipa artística: estamos todos visíveis, ninguém esconde nada.”

Sugerir correcção
Comentar