Medidas anti-inflação são “obscuras” e “de difícil execução”, diz Provedoria de Justiça

A provedora de Justiça defende que deveriam ser adoptadas medidas “mais simples, de mais fácil interpretação e aplicação prática e com menor custo operativo”.

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Maria Lúcia Amaral, provedora de Justiça LUSA/RODRIGO ANTUNES
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As medidas que estão a ser lançadas pelo Governo para mitigar os efeitos da inflação, desde o ano passado, são consideradas “obscuras” e “de difícil compreensão e execução” pela Provedoria de Justiça, que critica várias falhas encontradas nestes apoios e defende que deveriam ser adoptadas medidas “mais simples, de mais fácil interpretação e aplicação prática e com menor custo operativo”.

As conclusões constam de um relatório elaborado na sequência da análise de um “número significativo de queixas relativas a vários aspectos das medidas adoptadas, desde Setembro de 2022, no quadro da mitigação dos efeitos da inflação”. Enviado ao Governo no passado dia 8 de Maio pela Provedoria de Justiça, o relatório foi agora publicado, nesta terça-feira.

“Não obstante as lições recentes que o contexto pandémico nos trouxe quanto à gestão de diversos apoios igualmente urgentes, continuamos a assistir ao desenho de medidas excepcionais juridicamente intrincadas e de difícil compreensão e execução”, refere o documento.

“Tratando-se de apoios e medidas que visam aplainar as dificuldades resultantes da inflação na vida quotidiana das pessoas, seria fundamental que o seu desenho e apresentação não acrescentassem nem entropias à sua compreensão pelos destinatários, nem complexidade à respectiva interpretação e aplicação, nem tão-pouco necessidade de uma máquina administrativa demasiado pesada para a respectiva operacionalização”, acrescenta o relatório.

Um cenário desses, defende a Provedoria de Justiça, poderia ser alcançado “através da adopção de medidas transparentes quanto aos seus fundamentos, objectivos e efeitos, através da adopção de medidas mais simples, de mais fácil interpretação e aplicação prática e com menor custo operativo”.

Em causa estão os vários apoios que vêm sendo lançados pelo Governo para ajudar famílias e empresas a enfrentarem a subida significativa da inflação, que vão desde a redução do IVA no fornecimento de electricidade, a criação de um regime de resgate de planos de poupança, a definição de um limite máximo à actualização automática das rendas em 2023, a atribuição de apoios monetários ou, ainda, o regime transitório de actualização das pensões.

São várias as críticas feitas pela provedora de Justiça a estas medidas, que, na visão de Maria Lúcia Amaral, padecem de três problemas essenciais: falta de clareza, complexidade e imprecisão dos regimes; obscuridade na delimitação do âmbito subjectivo das medidas; e aplicação e comunicação deficitárias das medidas.

A título de exemplo, são destacadas as “dificuldades práticas, limitações e divergências de procedimentos no que toca à forma que revestem os pagamentos dos apoios”. No caso dos apoios extraordinários distribuídos até agora (por exemplo, o de 125 euros que foi atribuído em Outubro do ano passado), pagos pela Autoridade Tributária ou pela Segurança Social, determinou-se que os pagamentos seriam feitos preferencialmente por transferência bancária, abrindo-se a possibilidade de serem feitos por vale postal.

Mas os apoios mais recentes, lançados já este ano, deixam de prever essa segunda possibilidade. “Recentemente, foram publicados diplomas relativos a novos apoios a pagar por transferência bancária, abandonando-se a referência à possibilidade de pagamento por vale postal. É o que sucede com o apoio extraordinário para as famílias mais vulneráveis no montante mensal de 30 euros, o complemento ao apoio extraordinário para crianças e jovens beneficiários do abono de família, no montante mensal de 15 euros e o apoio extraordinário à renda e à prestação de contratos de crédito”, aponta a provedora de Justiça.

Estas diferenças quanto aos modos de pagamento, bem como a inexistência de alternativas à transferência bancária, “geram aguda preocupação, sobretudo no que toca a grupos vulneráveis, designadamente quanto a quem não dispõe de — ou não pode movimentar — conta bancária”, sublinha a provedora, que exemplifica que, da forma como estão desenhados, estes apoios podem não chegar “às pessoas singulares declaradas insolventes, já que um dos efeitos da declaração de insolvência é a apreensação, para entrega imediata ao administrador da insolvência, de todos os bens integrantes da massa insolvente”.

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