Criar condições para melhorar a sobrevivência das doentes com cancro do ovário

Vários países mostraram haver um ganho na sobrevivência com a centralização das cirurgias do cancro do ovário avançado. Em Portugal há ótimos cirurgiões mas falta centralizar os procedimentos.

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O cancro do ovário é um tumor pouco frequente, mas ainda muito letal. Em Portugal, o Registo Oncológico Nacional de 2019 conta aproximadamente 500 casos.

Não tem havido sucesso nas medidas de rastreio e o diagnóstico é tardio em 75% dos casos. Os sintomas são pouco específicos, pouco valorizados pela doente. Esta situação acontece em Portugal e no resto do mundo.

Assim, para melhorar a sobrevivência das mulheres com cancro do ovário, é preciso tratar bem a doença avançada.

O tratamento que se associa a melhor sobrevivência é o que começa por intervenção cirúrgica, habitualmente seguido de quimioterapia. As cirurgias necessárias são altamente diferenciadas e complexas. Requerem uma equipa multidisciplinar especialmente dedicada, capaz de selecionar a doente com indicação para cirurgia primária e de proceder a uma cirurgia ótima, isto é, em que se remove a totalidade do tumor. Estas equipas especialmente dedicadas tem taxas mais elevadas de cirurgias ditas ótimas, com menor número de complicações e menores custos.

Em Portugal há ótimos cirurgiões e todos os meios para fazer este tipo de cirurgias. Falta centralizar estes procedimentos. Como o número de casos é baixo e Portugal é um país pequeno, são necessários poucos centros dedicados ao tratamento cirúrgico do cancro avançado do ovário. A doente pode ser bem operada, fora do seu distrito e regressar à área de residência para fazer a quimioterapia.

Foi feito um estudo em Portugal, MAP-OCSur, com base nos registos de produção dos hospitais do SNS, que mostrou que apenas cinco hospitais tinham o número de cirurgias considerado como mínimo para haver critérios de qualidade de acordo com a Sociedade Europeia de Ginecologia Oncológica. Tal acontece, porque há uma dispersão nacional no tratamento cirúrgico do cancro do ovário que, por isso, não é de qualidade. Outro trabalho, este europeu com participação de Portugal, Estudo Response, mostrou que em Portugal é maior o tempo que decorre desde o diagnóstico até à data da cirurgia e é menor a taxa de cirurgias completas, comprometendo o prognóstico. Estima-se que a cirurgia primária completa pode oferecer um ganho na sobrevivência de três anos.

Na Europa, são vários os países que mostraram haver um ganho na sobrevivência com a centralização das cirurgias do cancro do ovário avançado: na Suécia, a centralização da cirurgia, que acontece desde 2011, permitiu maior número de cirurgias primárias completas, menor tempo entre a cirurgia e o início da quimioterapia (menos complicações) e melhoria significativa da sobrevivência. Na Noruega, esta mesma postura de centralização, conduziu a que 92 % destes procedimentos sejam feitos em hospitais terciários. Na Dinamarca, mostrou-se haver melhor sobrevivência se a doente fosse operada em centros de referência, terciários.

A já referida Sociedade Europeia de Ginecologia Oncológica definiu critérios de qualidade que permitem certificação dos centros em cirurgia do cancro avançado do ovário. França já fez o estudo e concluiu que a adesão a estes critérios permite melhoria dos resultados clínicos. Em Portugal não há nenhum centro certificado, sobretudo pela dispersão dos doentes. Todos tratam tudo!

Neste Dia Mundial do Cancro do Ovário e numa altura em que as nossas estruturas governamentais se debruçam sobre a referenciação, nomeadamente na área da obstetrícia, pensemos também em avaliar que hospitais oferecem condições para tratar bem a mulher com cancro do ovário avançado, quantos serviços são de facto necessários em Portugal para o fazer e tratemos de criar uma rede nacional e assim dar melhor sobrevivência, com qualidade de vida, às nossas doentes.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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