Os casos, a política e as políticas

Há ministros que, apesar de estarem igualmente envolvidos em situações que indiciam negligência e uma gestão patrimonial da coisa pública, parecem um pouco mais profissionais e passam incólumes.

O terceiro Governo liderado por António Costa tem sido marcado por uma sucessão de casos, os quais sugerem amadorismo, impreparação, negligência e uma certa gestão patrimonial da coisa pública. O caso que atingiu o ministro que mais recentemente se demitiu, João Galamba, revela precisamente amadorismo, impreparação e negligência. Mas outros ministros há que, apesar de todos os "casos e casinhos" e de estarem igualmente envolvidos em situações que indiciam negligência e uma gestão patrimonial da coisa pública, parecem apesar de tudo ser um pouco mais profissionais e por isso mesmo, até agora, passam incólumes.

É o caso de Fernando Medina. Primeiro, foi o episódio da falhada contratação milionária de Sérgio Figueiredo, numa flagrante duplicação de funções face aos recursos pré-existentes na Administração Pública, chocante além de tudo mais por vivermos num cenário de enorme contração salarial entre os servidores do Estado, sobretudo as classes médias assalariadas.

Segundo, foi o caso da sua mulher que saiu da direção jurídica da TAP e foi substituída pela mulher de um anterior secretário de Estado socialista, João Tiago Silveira, sugerindo nepotismo e amiguismo na gestão da coisa pública.

Terceiro, foi o caso da demissão da CEO da TAP, supostamente com justa causa e com base numa decisão juridicamente blindada, mas que afinal não estava nada blindada juridicamente (o parecer jurídico só foi pedido depois do despedimento) e pode custar mais uma indemnização milionária aos contribuintes portugueses.

Resumindo, o recente caso no Ministério das Infra-Estruturas pode ter sido especialmente marcado por amadorismo, impreparação e negligência, mas tais traços não se circunscrevem a este ministério, conforme demonstrámos atrás. A tal gestão patrimonial da coisa pública decorre da sobranceria da maioria absoluta, que atravessa vários setores do Governo e que é algo que hoje percebemos muito bem que dificilmente aconteceria se estivéssemos perante um governo de base multipartidária.

Alguns comentadores têm sublinhado a subalternização de uma avaliação do Governo com base nas orientações face às políticas públicas e nos resultados destas, em prol de uma avaliação com base nos "casos e casinhos". É verdade. Por um lado, vemos a oposição de direita afirmar-se por isso mesmo, e não tanto por apresentar políticas alternativas, mas tal é responsabilidade do Governo que vive numa deriva autofágica. Por outro lado, vemos a direita radical afirmar-se cada vez mais nas sondagens, mas mais uma vez tal deve-se acima de tudo aos indícios de uma gestão patrimonial da coisa pública, marcada por fortes indícios de clientelismo e nepotismo, os quais obviamente alimentam a direita radical.

Recentemente, foram apresentados resultados económicos positivos em sede de crescimento económico, em 2022, mas é pena que não se discuta sobre quem tem efetivamente beneficiado com tais resultados. As grandes empresas (no setor da banca, da distribuição e da energia, por exemplo) têm aumentado significativamente os seus lucros, mas as classes médias assalariadas têm conhecido uma enorme desvalorização salarial. A esmagadora maioria dos portugueses dificilmente consegue pagar os "pornográficos" preços das casas. E a qualidade dos serviços públicos de saúde e de educação tem conhecido forte erosão. Portanto, tal faz-me lembrar a deixa de um político das direitas, durante a troika: o país está melhor, os portugueses é que ainda não o sentiram.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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