O Governo brasileiro tentou regular as redes sociais e a Google declarou guerra

A Câmara dos Deputados esperava votar uma lei para regular a difusão de notícias falsas e conteúdos ilegais nas plataformas digitais, mas adiou a sessão para evitar o chumbo do diploma.

Foto
A Google divulgou mensagens para os internautas brasileiros contra uma proposta de regulação das redes sociais Reuters/SHANNON STAPLETON

Os internautas brasileiros que no início desta semana acedessem ao motor de busca da Google iriam deparar-se com um link em tons alarmantes. “PL das Fake News pode aumentar a confusão sobre o que é verdade ou mentira”, lia-se no título de um curto texto assinado por um alto quadro da empresa no Brasil.

A iniciativa da multinacional norte-americana – que acabou por recuar após uma acção judicial – reflecte o campo de batalha em que se transformou o debate sobre a regulamentação da Internet no Brasil.

Há muito tempo que vários sectores políticos, económicos e sociais do Brasil têm exigido um novo quadro legal para regulamentar os conteúdos que circulam pela Internet. O grande objectivo é forçar as gigantes das redes sociais, como a Google, a Meta (dona do Facebook, Instagram e WhatsApp), o Twitter e o TikTok, a ter regras mais apertadas para detectar e excluir conteúdos falsos ou que propaguem ideias nefastas, como o discurso contra minorias sexuais ou étnicas, contra o Estado de direito, ou simplesmente violentas.

No Brasil, a convicção de que a circulação de informações falsas e de discursos de ódio pelas redes sociais é um acelerador do desgaste do regime democrático e até da convivência social é muito profunda. Na vitória de Jair Bolsonaro, em 2018, numa campanha eleitoral praticamente baseada nas redes sociais, a difusão de desinformação e de ataques contra os seus adversários teve um papel crucial.

Tal como, acreditam os defensores da regulação, a propagação incessante de teorias da conspiração teve impacto directo na instigação de centenas de apoiantes de Bolsonaro que a 8 de Janeiro invadiram e vandalizaram as sedes do Congresso, Supremo Tribunal Federal e Palácio do Planalto, em Brasília.

A multiplicação de ataques violentos em escolas nos últimos meses aumentou a urgência para que o projecto de lei 2630, apelidado pela imprensa PL das Fake News, fosse aprovado.

A lei é inspirada na legislação aprovada pela União Europeia no ano passado, a Lei dos Serviços Digitais, explica a BBC Brasil, que aumenta a responsabilidade das grandes plataformas digitais na moderação dos conteúdos publicados pelos utilizadores. A lei brasileira prevê multas pesadas – que podem chegar a 10% da facturação da empresa em causa no Brasil – para as plataformas que promovam conteúdos considerados ilícitos ou que não ajam para travar a sua disseminação.

A iniciativa legislativa tem sido duramente criticada, sobretudo pelas bancadas bolsonaristas e às igrejas evangélicas. Para os primeiros, o diploma é um ataque à liberdade de expressão, enquanto os parlamentares da chamada “bancada da Bíblia” receiam que o discurso religioso possa vir a ser censurado, se for considerado extremista ou homofóbico, por exemplo.

A estes sectores políticos juntam-se as grandes empresas digitais, avessas a qualquer tentativa de regulação das suas actividades. O argumento de empresas como a Google é a de que as suas plataformas já dispõem de mecanismos para moderar o discurso dos utilizadores e que a ameaça das multas as vai levar a visar mensagens que seriam legítimas.

Esta semana, a Câmara dos Deputados preparava-se para votar o projecto de lei 2630, conhecido como PL das Fake News, mas, perante os indícios fortes de que seria chumbado, a votação foi adiada. O mais provável, segundo antecipa a imprensa brasileira, é de que seja redigida uma nova versão da lei que atenue o grau de responsabilidade das multinacionais digitais.

Sugerir correcção
Ler 8 comentários