“A direcção mandou-nos calar” — e assim se fez silêncio pelo clima na Faculdade de Letras do Porto

Para esta terça-feira esperava-se o início da ocupação no Porto dos estudantes pelo clima, na FLUP. A polícia vigiou seis activistas e a direcção pediu silêncio. Os estudantes obedeceram.

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A direcção pediu aos estudantes que não interferissem com a paz da faculdade DR

Dez minutos antes da hora a que deveriam dar início à manifestação, por volta do meio-dia e meia, o grupo de seis jovens estudantes foi abordado pela directora da faculdade. Ao PÚBLICO, os activistas contaram que lhes foi pedido que não fizessem barulho e que não interferissem com o funcionamento normal da faculdade. Nico Moniz, porta-voz da “Fim ao fóssil: Ocupa!” da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP) questiona-se “Se nós não fizermos barulho, como é que nos vamos fazer ouvir?”.

“Nós planeámos uma manifestação pacífica, íamos fazer barulho, mas tudo dentro dos conformes, entretanto a direcção veio falar connosco e disse que nós não podíamos perturbar as aulas nem a paz da universidade”, conta Oliver Faria, estudante da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto que se juntou aos colegas de letras. Mas, como não os "deixaram fazer barulho” durante a manifestação, os activistas decidiram manifestar-se “silenciosamente”.

À porta da faculdade, estava estacionada uma carrinha da polícia, que, de vez em quando, os estudantes iam espreitar. Ficaram alguns minutos num impasse. Encontraram então uma forma de se manifestarem, sem irem contra as imposições da direcção, trocaram o megafone por fita-cola e colaram sob os lábios um “X”. "Não estamos aqui para magoar ninguém, nem para fazer asneiras, nem provocar o caos. Estamos aqui para nos fazer ouvir e era exactamente isso que queríamos fazer", diz Oliver.

Sentados em frente a uma faixa ilustrada com a principal reivindicação do movimento — “fim aos fósseis” — os estudantes ficaram alguns minutos em silêncio e escreveram num papel, que seguravam nas mãos: “A direcção mandou-nos calar”. E os estudantes obedeceram. Face aos manifestantes estavam dois polícias que não interagiram com nenhum dos estudantes. Foi este o protesto no Porto.

Mar estuda sociologia na FLUP, não participou na ocupação, e não compreende a atitude da direcção nem entende a necessidade de “terem trazido um carro e uma carrinha da polícia para seis ou oito estudantes”, sustentando que “é mais uma tentativa de reprimir o movimento, e reprimir mesmo o movimento estudantil”. Sobre esta atitude, Oliver diz fazer-lhe “impressão” que uma “faculdade que se diz tão pioneira puxe para trás o movimento, chegando mesmo a chamar a polícia”.

Além da manifestação, estava previsto um jantar comunitário com karaoke e que pernoitassem na faculdade, e também a isso a direcção também terá torcido o nariz. Com a comida já feita e pronta para distribuir gratuitamente por quem quiser comer, não faz sentido para Nico cancelar o jantar e têm intenção de o fazer na mesma porque “toda a gente tem direito a comer na faculdade”. Sobre pernoitar, fica em suspenso a decisão. “Temos que decidir em conjunto como vamos fazer essa situação.”

A “Primavera da Ocupas” no Norte, é só na FLUP, e aqui juntaram-se alunos da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) e da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (FBAUP) além dos alunos de letras.

“A transição será interseccional ou não será”

Era este o mote da manifestação que acabou por cair no silêncio. Querem fazer “pensar nos impactos que a crise climática tem de formas diferentes globalmente”, diz o porta-voz. “O norte global e os países mais ricos são os maiores responsáveis historicamente pelas emissões e pelo estado do mundo neste momento”, reflecte, “no entanto, são os países mais pobres do sul global que estão a sofrer mais com isso”.

Nico Moniz enumera alguns dos problemas: “são países que se sustentam muito a partir da produção agrícola e não têm condições para isso". "Há muita seca, ondas de calor e não têm habitação ajustada a essas ondas de calor”, refere acrescentando ainda que, por isso, é preciso “pensar também nas classes e que as pessoas mais marginalizadas, mais racializadas, pessoas queer, com diversidade étnica, são sempre mais afectadas porque são também as que têm menos oportunidades para se proteger dos impactos da crise climática”.

Sobre descentralizar o activismo climático, Nico afirma ter que “começar de forma gradual”. “Estamos aqui no Porto, numa Faculdade de Letras, que é uma faculdade que tem pessoas bastante activas e mesmo assim somos poucos, não sei que capacidade teríamos em espaços que ainda não têm essa cultura de activismo e de participação política.”

Os jovens têm ocupado diversas faculdades desde quarta-feira, principalmente em Lisboa, mas também em Coimbra e no Algarve, exigindo o fim dos combustíveis fósseis até 2030 e electricidade 100% renovável e acessível até 2025 e afirmando que só vão parar quando alcançarem as 1500 assinaturas para ocupar o Porto de Sines no dia 13 de Maio numa operação contra o gás natural.

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