Repouso e iniciativa económica: que lugar para a atividade física?

Uma decisão de tribunal superior encarou o conflito entre a liberdade de iniciativa económica (relacionada com a prestação de serviços na área da atividade física) e o direito ao repouso.

1. Recentemente, uma decisão de tribunal superior encarou o conflito entre a liberdade de iniciativa económica (relacionada com a prestação de serviços na área da atividade física) e o direito ao repouso. Tudo se passou num normal prédio de habitação. Dois condóminos intentarem uma ação contra quem arrendou o rés-do-chão, aí se exercendo a atividade de prestação de serviços desportivos na área da manutenção da condição física, atividade essa que causa ruído que se propaga e sente nas frações habitacionais ocupadas pelos autores, pondo com isso em causa o direito ao repouso destes e prejudicando dessa forma o seu bem-estar e saúde. Foi proferida sentença que determinou o encerramento do estabelecimento de prestação de serviços desportivos.

2. Houve recurso para o Tribunal da Relação por parte de quem explorava o ginásio. E os recorrentes vieram defender, entre outras coisas, que “mesmo que se entenda dever prevalecer (em abstrato) o direito ao repouso sobre o direito à iniciativa privada [...] importará sempre aquilatar se a prevalência dos direitos relativos à personalidade não resulta em desproporção intolerável, face aos interesses em jogo, quando é certo que o sacrifício e compressão do direito tido por inferior (no caso o direito da livre iniciativa privada) apenas deverá ocorrer na medida adequada e proporcionada à satisfação dos interesses tutelados pelo direito dominante.

3. O Tribunal da Relação estabelece que importa distinguir os planos de uma eventual ilegalidade administrativa no exercício das atividades que geram poluição ambiental (incluindo, sonora), decorrente do eventual desrespeito das normas regulamentares ou atinentes ao licenciamento e à polícia administrativa, e o plano da ilicitude, consubstanciada na lesão inadmissível do direito fundamental de personalidade.” Daí que, como vem sendo posição sucessivamente reiterada pela jurisprudência do STJ – e sem prejuízo de uma concreta e casuística ponderação judicial, que leve em consideração as particularidades de cada caso, em função dos princípios da proporcionalidade e da adequação acerca da intensidade e relevância da invocada lesão da personalidade e o direito ao lazer ou à iniciativa privada na veste de exploração económica de determinados serviços associados à prática desportiva (ginásios) –, se imponha a preservação dos direitos básicos de personalidade, por serem de hierarquia superior à dos segundos, nos termos do artigo 335.º, do Cód. Civil.

4. Por outro lado, […] “a produção ou emissão de ruídos, geradora de poluição sonora, lesiva de direitos individuais ou coletivos, carecidos de tutela jurídica, pode ser encarada por três óticas distintas, embora, em muitos casos, conexionadas e interligadas: direito do ambiente a clássica visão da tutela do direito de propriedade, no domínio das relações jurídicas reais de vizinhança e a dos direitos fundamentais de personalidade, consagrados, desde logo, no texto da constitucional –, direito à integridade física e moral e ao livre desenvolvimento da personalidade (artigos 25.º e 26.º, n.º 1, da CRP) e reiterados no Código Civil, ao contemplar no artigo 70.º, a tutela geral da personalidade dos indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral”. “O direito ao repouso, ao sono e à tranquilidade de vida na sua própria casa se configuram manifestamente como requisitos indispensáveis à realização do direito à saúde e à qualidade de vida, constituindo uma emanação do referido direito fundamental de personalidade.”

5. Negado o recurso, a verdade é que nunca o direito ao desporto, ou o acesso à atividade física, consagrado no artigo 79.º da Constituição, surge como elemento a ter em conta neste tipo de conflitos. Julga-se que, no mínimo, esse jogador deveria entrar, adicionando-se o seu valor aos restantes indicados pelos tribunais, para a definição do caso concreto.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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