Vencedor das eleições da Finlândia chama extrema-direita para negociar

Petteri Orpo vai tentar formar governo com mais três partidos e esperam-se negociações difíceis sobre imigração e acção climática. Finlândia acompanha a viragem à direita da vizinha Suécia.

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Petteri Orpo (desfocado) fala aos jornalistas enquanto Riikka Purra (de verde) e as líderes dos Democratas Cristãos e do Partido do Povo Sueco escutam LEHTIKUVA/Reuters

O líder do partido de centro-direita Coligação Nacional e vencedor das legislativas da Finlândia vai começar na próxima semana as negociações com vista à formação de um novo governo com o Partido dos Finlandeses, de extrema-direita, que obteve o segundo lugar nas eleições, e com dois partidos mais pequenos.

As conversas arrancam na terça-feira, exactamente um mês depois de a Coligação Nacional, de Petteri Orpo, ter derrotado o Partido Social Democrata, de Sanna Marin, até agora primeira-ministra, que já formalizou a sua demissão.

“Claro que há diferenças entre os partidos, mas depois das negociações [preliminares] sentimos colectivamente que as questões podem ser resolvidas”, disse Orpo esta quinta-feira numa conferência de imprensa, citado pela AFP. “Temos grandes desafios pela frente, temos de tomar decisões difíceis, temos de poupar e fazer reformas, mas penso que elas se poderão fazer com esta combinação [de partidos]”, acrescentou, segundo a Reuters.

Com 48 deputados no Parlamento, a Coligação Nacional passou a ser maior força política finlandesa, seguida pelo Partido dos Finlandeses, com 46, e pelos sociais-democratas, com 43. Petteri Orpo vai negociar ainda com o Partido do Povo Sueco, que integrou a coligação de governo de Sanna Marin, e que obteve dez lugares nas legislativas de 2 de Abril. Os Democratas Cristãos, com cinco deputados, também se vão sentar à mesa com Orpo – que, a ser bem-sucedido nas negociações, conseguiria com estas três forças a maioria na assembleia, que tem 200 deputados no total.

É expectável que antes de Junho não haja novidades sobre a formação nem sobre o programa do Governo e os próprios líderes partidários envolvidos não antevêem negociações fáceis.

Depois de uma campanha quase exclusivamente centrada em assuntos internos, como o grande aumento da dívida pública nos últimos dois anos a gerar consenso à direita sobre a necessidade de fazer cortes na despesa, a imigração pode ser o grande engulho nas conversas entre Orpo e Riikka Purra, líder do Partido dos Finlandeses.

Purra, que chefia esta força política há dois anos e tem tentado descolar-lhe o rótulo de extrema-direita, disse há umas semanas à televisão pública Yle que não estava disposta a integrar ou apoiar um governo que não restringisse a imigração na Finlândia. “A imigração para os sectores mal pagos tem de ter um controlo mais rigoroso. O Partido dos Finlandeses acredita que não há problema em vir para o país viver e trabalhar, desde que a pessoa se sustente com o seu salário”, afirmou Purra.

Já a Coligação Nacional e o Partido do Povo Sueco tinham nos seus programas eleitorais a intenção de fazer aumentar a imigração para contrariar o envelhecimento da população e a falta de trabalhadores em certos sectores.

Também no campo da acção climática há divergências. A Finlândia comprometeu-se a atingir a neutralidade carbónica até 2035, uma meta que Petteri Orpo diz querer respeitar, mas Riikka Purra quer adiar para 2050. A líder da extrema-direita admitiu esta quinta-feira que há “grandes desacordos” entre os partidos que agora vão conversar, “mas não há nada que não se possa negociar”.

Se esta ronda de contactos falhar, Petteri Orpo pode ainda tentar chegar a entendimento com outras forças políticas.

Semelhanças suecas

O Partido dos Finlandeses já integrou um governo em 2015, que era liderado pelo Partido do Centro (liberal) e do qual a Coligação Nacional também fazia parte. Ambas as forças caíram nas eleições de 2019 e foi a formação nacionalista a crescer, ficando a duas décimas dos sociais-democratas. Desta vez obteve o seu melhor resultado eleitoral de sempre, 20,1%, e ficou a sete décimas do primeiro lugar.

“Embora a Finlândia já estivesse entre os mais conservadores dos países nórdicos, com esta eleição a política finlandesa teve uma enorme viragem à direita”, analisa Kristina Birke Daniels, no site da Fundação Friedrich Ebert, sublinhando que “a população finlandesa tem muito medo de um declínio económico” e que a actual conjuntura levou muitos eleitores a questionar “se o modelo de Estado social finlandês se vai manter sustentável”.

Se se confirmar que o Partido dos Finlandeses integra o próximo governo, a Finlândia dá mais um passo semelhante ao da vizinha Suécia, em que também o centro-esquerda saiu derrotado das eleições de Setembro, também uma mulher deixou a liderança do executivo e também a extrema-direita passou a ser indispensável (embora não integre formalmente o Governo).

Com a vizinhança da Rússia e a guerra da Ucrânia a levarem ambos os países a bater à porta da NATO, Kristina Birke Daniels dá a entender que a adesão finlandesa antes das eleições (confirmada dois dias depois) pode ter custado o cargo a Sanna Marin. “As eleições ganham-se com promessas para o futuro e a vontade de mudar as coisas. Embora a segurança estivesse entre as dez prioridades da população, o feito de Sanna Marin neste aspecto era já um fait accompli.

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