Cartas ao director

Café, croissant, revolta, beleza <_o3a_p>

Num qualquer Minipreço, há dias, um belo e espadaúdo rapaz estrangeiro proclamava no verso da sua T-shirt: “Coffee & croissants: the breakfast of champions”. Lembro-me desta imagem fugidia quando hoje [ontem], 24 de Abril, acordo com uma neura daquelas, daquelas grandes neuras totalitárias, fascistas. Sou capaz de ir para a rua e fazer uma revolução. Respiro. Inspiro-me. Escrevo mais um desabafo ao director do PÚBLICO, desde a célebre “geração rasca”, o periódico dos desabafos dos grandes Vicentes e de toda a gente que gosta de escrever em diários e hebdomadários.

Nos supermercados, em todos os locais, a vida está cara, tudo custa os olhos da cara, inclusive a sua folha noticiosa, como se diria em outros tempos liberais e oitocentistas, está caríssima, meu caro Manuel Carvalho (IVA 0% para os jornais, bens essenciais?). Entretanto, chega-me aos ouvidos esta conversa de café: “Fui no domingo, ao velório.” Sim, desço à terrinha, estou mesmo em Portugal, a neura reforça a sua percentagem, e amanhã [hoje] é mais um Dia da Liberdade, dizem, consta, que não acreditamos, tão pouco livres que nos sentimos nesta cara vida mercantil e financeira. Um café e um croissant podem curar esta neura ou convertê-la em revolta. Ou, pelo menos, vá lá — foi bonita a festa, pá! — em fascínio democrático pela beleza moral e corporal do mundo. Contra essa mesma neura de um país consumista e consumido em 49 anos de ainda muito pouca liberdade e enormíssima cara de velório. <_o3a_p>

Nélson Miguel Bandeira, Porto

Esperança

Antes de o 25 de Abril evoluir para tema polémico, com tentativas de ser tomado como refém pela polarização aguda que nos andam a impingir, a data era consensual. O dia mesmo foi um dia fundamentalmente de esperança, algumas dúvidas e de inquietação certamente, mas, para a larga maioria da população, foi sobretudo de confiança. Foi visto como uma oportunidade para o país evoluir para melhor, sendo esse “melhor” bastante consensual também.

Queria-se um país livre e aberto ao mundo, justo e proporcionando melhores condições de vida em todas as dimensões. Como não há omeletas sem ovos, também não há riqueza para distribuir sem ela ser criada. E aqui terá estado talvez a maior falha das últimas décadas. À imagem do passado ouro do Brasil, foram os fundos de Bruxelas que nos mantiveram à tona, mas sem, contudo, evitar três bancarrotas.

Quando ouvimos o que é notícia por estes dias, a tristeza e desilusão são enormes. Não é por este caminho que vamos sair da cepa torta; nem pela natureza do que se discute, nem pela forma. Os actores actuais estão falidos de ideias, credibilidade e capacidade de liderar. O 25 de Abril é dia de repensar em esperança, mas activamente e criticamente. Não precisamos de nova revolução e mudança de regime. Necessitamos de mudança de lideranças. As actuais não servem.

Carlos J. F. Sampaio, Esposende

A liberdade resistiu 11 dias

A Bienal de Arte de Gaia nasceu e tem crescido na defesa da liberdade de expressão. Quando Onofre Varela foi obrigado a retirar o seu cartoon da bienal depois de protestos da comunidade israelita, a liberdade de expressão foi mutilada. Em causa a mensagem do cartoonista considerando que “Israel trata os palestinianos com o mesmo desrespeito com que Hitler tratava os judeus”. Acho que os responsáveis da bienal foram infelizes ao cederem a uma atitude antidemocrática e cerceadora da liberdade de expressão. E se alguma associação reclamasse a retirada da pintura retratando Volodymyr Zelensky? Os responsáveis da bienal cederiam? A liberdade resistiu 11 dias na bienal, o tempo em que o cartoon esteve exposto.

Ademar Costa, Póvoa de Varzim

O Brasil do nosso (des)contentamento

Está entre nós o Presidente do Brasil, Lula da Silva. E, se, para metade dos brasileiros, a não-eleição de Bolsonaro para um segundo mandato é uma lástima, para a outra metade e para o mundo democrático em geral isso foi o que de melhor podia acontecer, não obstante a tendência tornada evidente pelo actual Presidente daquele enorme país de se posicionar favoravelmente ao lado de regimes autocráticos.

Apesar dessa realidade ter acicatado o “ego” europeu, recebemos Lula com a maior dignidade possível que é devida a qualquer chefe de Estado que nos visite. E oxalá que, mostrando respeito pelas afirmações que tem todo o direito de fazer mas sem andar com ele ao colo, se consiga transmitir-lhe que não será pelo facto de a Europa correr o risco de vir a ser subjugada por qualquer potência que exista ou emergente, como quase todo o Sul global deseja, que essa metade do planeta venha a sentir-se mais feliz.

Celerino Dias, Viana do Castelo

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