Automação inteligente: o admirável mundo novo do trabalho
A aplicação da inteligência artificial ao mundo do trabalho está a abrir caminhos de maior optimização e apoio à actividade laboral. Manuel Joaquim Costa, da NTT DATA, revela como.
É muito provável que quem está, neste momento, a ler este artigo tenha já contactado com alguma forma de automação inteligente, mesmo que não se tenha apercebido.
Isto porque as tecnologias que permitem, por exemplo, a abertura de uma conta online em poucos minutos, que viabilizam chatbots para apoio ao cliente, ou que lêem os documentos carregados numa aplicação, assentam o seu funcionamento nalguma forma de automação inteligente.
Mas o que é que significa exactamente este conceito que já se tornou parte integrante do vocabulário da maior parte das organizações?
Como explica Manuel Joaquim Costa, Intelligent Automation Director da NTT DATA Portugal, “a automação inteligente é a evolução natural da automação e refere-se à combinação de inteligência artificial com soluções de automatização, com diferentes níveis de complexidade, maturidade e potencial”. Ou seja, o recurso a esta dimensão “permite expandir os horizontes da automatização (já tradicional) de processos, combinando a execução de tarefas com recursos dotados de inteligência artificial”, especifica o responsável.
Exemplo desses recursos são algumas das tecnologias de que ouvimos falar cada vez mais no dia-a-dia, como seja a Inteligência Artificial (em particular Generative AI), a mineração de dados associados a processos (process mining), o processamento inteligente de documentos/ reconhecimento óptico de caracteres (document process automation), e o processamento natural de linguagem (natural language processing), entre outros.
É a combinação de várias destas tecnologias que permite apoiar a actividade das pessoas em múltiplos domínios do trabalho, não só em actividades mais repetitivas, mas também já no domínio da sistematização de dados, análise e decisão, áreas até aqui reservadas ao intelecto humano.
Aumentar a produtividade é possível
De acordo com dados disponibilizados pela Pordata, Portugal é um dos seis países da União Europeia (UE) com menor produtividade, ou seja, que gera menos riqueza por hora de trabalho (65% da média da UE27).
A reforçar esta informação, num relatório da Fundação José Neves conclui-se que a produtividade média no nosso país afasta-se cada vez mais dos padrões europeus, sendo Portugal o 20.º país com menor produtividade da UE.
Sabe-se que esta situação decorre de um problema histórico de baixa produtividade no país, desde logo devido à reduzida qualificação média da força de trabalho, em alguns casos a modelos de educação afastados das necessidades do mercado e à reduzida aposta em formação contínua, o que dificulta a adaptação às mudanças e até a própria incorporação de tecnologia nas organizações.
Uma das formas actualmente disponíveis para aumentar a produtividade, nomeadamente, em países como Portugal – onde é crónico o problema do elevado número de horas trabalhadas sem correspondência com a produtividade – é a automação inteligente. Daí que a sua integração nas organizações possa oferecer inúmeros benefícios para todos.
Manuel Joaquim Costa enumera-os: “Acesso rápido, sistematizado e fácil a informação actualizada, aumento de produtividade do colaborador pelo foco na análise e decisão e não na repetição de actividades commodity [um produto, mercadoria de baixo valor], aumento de eficiência operacional, redução dos custos do negócio e padronização de tarefas com maior eficácia.”
O responsável sublinha que “a parte do trabalho dos colaboradores de uma organização que não é qualificado é uma commodity ”, pelo que “na presença de processos complexos e objectivos organizacionais cada vez mais ambiciosos, automatizar processos tem de ser uma prioridade, na medida em que optimiza a utilização de recursos e permite aumentar os indicadores de produção em pouco tempo”.
Como consequência do aumento de produtividade generalizada, motivada pelo recurso à automação inteligente, é possível esperar por melhores rendimentos e por uma melhoria do bem-estar das populações.
Vantagens para a sociedade
São muitas as vantagens que a automação inteligente oferece à sociedade como um todo. Por exemplo, do ponto de vista económico, destaca-se o facto de permitir análises a grandes bases de dados e, consequentemente, possibilitar a identificação de padrões, criação de repositórios de informação, compreensão e produção de linguagem natural, e até levar a cabo análises preditivas.
Actualmente há um grande entusiasmo em torno do ChatGPT – um modelo Large Language Model – pela facilidade que este possui de conversação e interacção homem-máquina, mas há que entender que, por si só, o ChatGPT ou outras tecnologias similares (como o GPT 4, CODEX, DALL-E), apesar de disruptivas, são só mais uma peça tecnológica no contexto maior da automação de processos. Portanto, deverão ser encaradas como mais um acelerador da automação inteligente.
Mas vamos a exemplos:
- A aplicação de automação inteligente nas áreas da justiça e da advocacia permite extrair informação legislativa e respectivas excepções, trabalhar e sumarizar informações e acelerar a estratégia do caso. Ou seja, a introdução destas tecnologias tem o potencial de agilizar processos, reduzir prazos e custos judiciais;
- No combate ao branqueamento de capitais, o recurso a automação inteligente permite acelerar a identificação de ocorrências através de alertas, na medida em que permite extrair informação de vários sistemas, trabalhar e sumarizar informações acerca da operação e do cliente e, inclusive, recomendar a probabilidade de a operação ser um falso positivo;
- Na área comercial, a inclusão destas tecnologias permite acelerar a construção de propostas e apresentações, que podem ser geradas automaticamente a partir de notas e condições decorrentes de uma reunião;
- Outro grande benefício é na área da tecnologia, onde é conhecida a grande escassez de talento. A automação inteligente pode permitir que profissionais com um passado académico distinto da área possam integrar a indústria, reconvertendo as suas carreiras com menor esforço, graças às actuais capacidades de inteligência artificial e ao entendimento de linguagem natural, que acelera a criação de código em várias linguagens de desenvolvimento;
- Por fim, é importante destacar que a combinação das tecnologias “inteligentes” pode gerar um impacto positivo a nível ambiental, tanto pela optimização de sistemas de energia, como pela redução do consumo ou eliminação de processos à base de papel nas organizações, em particular “através da aplicação dos conceitos tecnológicos de optical character recognition e intelligent document processing, que permitem aumentar a capacidade de reconhecimento e interpretação automática da informação que circula nas organizações, prescindido assim da necessidade de impressões constantes”, revela Manuel Joaquim Costa.
Mais automação, carreiras mais compensadoras
Mas será que a aposta em automação inteligente pode dar origem a desemprego? Manuel Joaquim Costa recusa esta visão pessimista: “A automação inteligente deve ser vista como um complemento ao trabalho, que permite automatizar tarefas rotineiras e sem valor acrescentado, e libertar os colaboradores para tarefas mais complexas e de valor acrescentado, que sejam igualmente mais compensadoras do ponto de vista profissional.”
Nas palavras do responsável pela área de automação inteligente da NTT DATA Portugal, “estamos a viver uma mudança de paradigma no mundo do trabalho, mas o intelecto humano, o pensamento crítico, a criatividade e outras dimensões próprias do ser humano são e serão muito valorizados, portanto, a introdução de tecnologia nas organizações não significa necessariamente mais desemprego”.
Automação inteligente em Portugal
De acordo com Manuel Joaquim Costa, “a automação inteligente está cada vez mais presente no dia-a-dia das organizações portuguesas” e um dos factores que terá contribuído para essa evolução foi a pandemia, a qual “impulsionou bastante os temas do digital e a introdução destes modelos e práticas nas organizações e na economia de forma geral”.
Ainda assim, o especialista ressalva que, “numa visão média global, ainda existe bastante espaço para crescimento da automação mais tradicional. Numa visão não tão tradicional da automação, em particular a possivel utilização de modelos de Generative AI sobre a área de processos, estamos ainda a ver apenas a ‘ponta do icebergue’, pois ainda há muito para descobrir sobre os potenciais impactos destas tecnologias na produtividade”.
Questionado sobre os passos a dar pelas organizações que decidem avançar por este caminho, o Intelligent Automation Director da NTT DATA Portugal afirma que “o primeiro passo, e talvez o mais importante, é ter a consciência e a estratégia bem definida – com um plano saudável de investimento e uma visão a prazo, pragmática e mensurável sobre os resultados a obter – para a incorporação de automação inteligente com um amplo conhecimento das suas potencialidades”, isto porque “a prática de Intelligent Automation está em constante crescimento/mudança e as organizações devem ter isso em conta”.
Além disso, considera que “é essencial compreender o porquê de se apostar em automação inteligente”. Para tal, a entidade deve questionar-se sobre se a intenção passa por melhorar processos e eficiência, aumentar a produtividade, reduzir custos ou um conjunto de vários destes e, de seguida, “definir objectivos claros do que pretende”. Depois, “a organização deve analisar as tecnologias que fazem mais sentido para o seu caso, tendo em conta as suas necessidades e objectivos”.
Posteriormente, “é necessário montar uma equipa que tenha os conhecimentos necessários para a implementar”, a que se segue “uma fase de monitorização e melhoria das implementações realizadas”.