“O Brasil está preparado para voltar a ser um país grande”, diz Lula

Num encontro entre empresários portugueses e brasileiros em Matosinhos, Lula insistiu nas críticas ao seu antecessor e serviu de mediador de paz acidental na política interna portuguesa.

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Lula esteve em Matosinhos a falar para empresários portugueses e brasileiros Nelson Garrido

O encontro entre mais de 100 empresários portugueses e brasileiros na sede do CEIIA – Centro de Engenharia e Desenvolvimento, em Matosinhos, esta segunda-feira de manhã, servia como símbolo da vontade de fortalecer os laços comerciais entre os dois países, mas para o Presidente brasileiro, Lula da Silva, tornou-se numa nova oportunidade para criticar a herança maldita deixada pelo seu antecessor.

É tão certo como o Carnaval durar três dias que, sempre que o tema em debate são as relações económicas entre Portugal e Brasil, os elogios ao potencial que estas podem atingir e o lamento por esse potencial nunca ser efectivamente atingido serão as traves mestras dos discursos. Tanto Lula como o primeiro-ministro, António Costa, não desafiaram esta tradição, apesar do esforço para mostrar dinamismo nos projectos em comum, como é o caso do KC-390, o avião militar desenvolvido pela Embraer em parceria com as OGMA — Indústria Aeronáutica de Portugal.

Para o futuro está planeado o desenvolvimento do A-29, avião ligeiro de ataque conhecido como Super Tucano, que irá obedecer aos padrões de fabrico da NATO, com o objectivo de o exportar para membros da Aliança Atlântica.

Mas foi no passado recente que Lula se concentrou naquele que foi o primeiro acto do terceiro dia da visita oficial a Portugal que termina na quarta-feira. Grande parte do discurso do Presidente brasileiro foi dedicado a sustentar a tese de que os últimos quatro anos foram um tempo perdido, não apenas para o Brasil, mas para Portugal, por causa da incapacidade do seu antecessor, Jair Bolsonaro.

“O Brasil esteve afastado do mundo durante seis anos. O Brasil não recebia nenhum Presidente e o nosso Presidente não viajava para nenhum país”, afirmou o chefe de Estado brasileiro. Agora, segundo Lula, "o Brasil está preparado para voltar a ser grande".

Lula apontou a mira a vários falhanços do Governo de Bolsonaro, recordando as 14 mil obras “paralisadas” desde os seus mandatos e os de Dilma Rousseff. “O nosso país ficou parado”, observou. Lula recordou que “o Presidente tem de oferecer estabilidade política, social e jurídica e sem isso ninguém vai colocar um centavo no país”, sugerindo que os anos de Bolsonaro foram marcados por instabilidade permanente.

“O que fizemos em 13 anos foi desmontado em quatro”, lamentou o Presidente reeleito em Outubro para um terceiro mandato depois de derrotar Bolsonaro. Ainda assim, há coisas que estão a voltar ao normal. Logo no início do seu discurso, Lula enumerou os deputados federais que integram a comitiva nesta viagem, sublinhando que são de partidos diferentes para concluir: “O Brasil está voltando à civilidade.”

Apoio a acordo UE-Mercosul

Um dos dossiers mais relevantes das relações económicas entre Portugal e Brasil é o acordo de comércio livre entre a União Europeia e o Mercosul, o bloco económico que junta Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela, que se encontra praticamente paralisado. António Costa quis deixar a garantia de que “o Brasil pode sempre contar com Portugal como verdadeiro ponta-de-lança” para que o acordo, que considerou “absolutamente estratégico”, seja concluído em breve.

O primeiro-ministro português disse que “o Brasil está muito aquém do potencial de investimento em Portugal” e expressou a “firme vontade política” para que os laços nesta área se intensifiquem.

Entre os projectos salientados por Costa estão os investimentos da Galp e da EDP no Brasil na área das energias renováveis, que ascendem a mais de cinco mil milhões de euros nos próximos anos.

Para o chefe do Governo português, há factores, como a língua partilhada, que deveriam ser mais bem aproveitados para aprofundar as relações comerciais. “Já nos encontrámos há mais de 500 anos, temos a vantagem de falar a mesma língua com um sotaque diferente. Por causa das novelas percebemos perfeitamente o português do Brasil, mas o que temos mesmo pena é de não falarmos com o vosso sotaque”, disse António Costa.

Na sua intervenção, Lula não deixou de aludir ao contexto internacional mais alargado, nomeadamente a guerra na Ucrânia, insistindo na hipótese de que o Brasil poderá trabalhar como mediador de uma solução política. “O Brasil está de volta para ser protagonista internacional, por isso estou a tratar de parar de falar da guerra e construir a paz para a humanidade poder viver melhor”, afirmou Lula, já na fase final do discurso.

Lula deixou ainda elogios a Costa e saudou a convivência entre o primeiro-ministro e o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, dizendo ser “uma coisa extraordinária” a capacidade de políticos com orientações ideológicas diferentes poderem trabalhar em conjunto, acabando por servir de mediador acidental perante o clima de conflito crescente entre os dois dirigentes.

Ao lado de Lula

A uma considerável distância do local onde Lula discursou, um grupo de cerca de 20 pessoas fez questão de demonstrar apoio ao Presidente, envergando bandeiras do Brasil e do Partido dos Trabalhadores. Segurando nas mãos um livro do pedagogo Paulo Freire, a professora universitária Márcia Barbosa, de 58 anos, actualmente a viver na Murtosa, no distrito de Aveiro, diz ao PÚBLICO que a impossibilidade de ver sequer o Presidente não a desmoraliza. “O que importa é saber que ele está aqui próximo”, diz.

A reeleição de Lula é descrita como “um regresso da esperança” em áreas como a saúde, educação e no desenvolvimento social. “É como se o Brasil tivesse vivido no obscurantismo” durante os últimos anos, diz Márcia.

Alexandre Paim, de 21 anos, nasceu na Bahia e está em Portugal desde Janeiro, precisamente quando Lula tomou posse para o seu terceiro mandato. O estudante de Psicologia diz que “sempre que for preciso mostrar apoio ao Presidente” podem contar consigo. “O Brasil ainda está muito dividido, o Presidente ainda enfrenta muitas dificuldades”, conta Alexandre, justificando a sua passagem por Matosinhos.

O jovem pretende regressar ao Brasil depois de terminar os seus estudos e olha para o seu país com esperança. “O Brasil é um país frutífero, é um país que está em florescimento, e eu quero participar nisso.”

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