Mitos e verdades sobre alimentação e cancro

Quem lida com o cancro merece conhecer a verdade sobre o que está cientificamente provado ou não sobre uma doença que nos abana os alicerces em todas as vertentes.

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Até hoje, nenhum tipo de alimento foi comprovado cientificamente como capaz de curar o cancro Sahand Babali/Unsplash

No passado fim de semana, participei nas jornadas Vida Saudável Depois do Cancro, evento organizado pela Liga Portuguesa Contra o Cancro – Núcleo Regional do Centro, em conjunto com o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, com o objetivo de promover uma reflexão sobre os desafios e necessidades dos sobreviventes de cancro para uma vida saudável e integração na vida social e laboral.

Tendo padecido de cancro por mais do que uma ocasião, considero-me bem informado sobre o tema, bem como sobre a pluralidade de receitas milagrosas e sem qualquer base científica apregoadas por pessoas e entidades sem credibilidade científica e que continuam a vender banha da cobra, aproveitando-se da fragilidade e ansiedade das pessoas que lidam com cancro.

O mais grave é que algumas dessas receitas milagrosas têm sido tão bem vendidas que se tornaram verdades instaladas, passadas de boca em boca nas enfermarias e corredores dos hospitais que tratam doenças oncológicas. Não ouvi contar, assisti na primeira pessoa. Só que essas verdades, não o são. A ciência, e prefiro sempre acreditar na ciência que me salvou pelo menos em três ocasiões, desmente-as.

Das apresentações a que assisti no auditório do Pediátrico de Coimbra, destaco a da professora doutora Paula Ravasco (médica, nutricionista e professora universitária e investigadora na Faculdade de Medicina da Universidade Católica Portuguesa), intitulada “Mitos sobre a alimentação e o cancro”.

Pedi-lhe autorização para publicar a sua apresentação, resultado de anos de investigação, verdadeiro serviço público merecedor de destaque e partilha. Quem lida com o cancro merece conhecer a verdade sobre o que está cientificamente provado ou não sobre uma doença que nos abana os alicerces em todas as vertentes.

Alimentos curam o cancro: Mito

Até hoje, nenhum tipo de alimento foi comprovado cientificamente como capaz de curar o cancro. O cancro é uma doença complexa e promove alterações muito específicas e individuais, ou seja, cada cancro pode ser considerado único.

Alimentos aquecidos ou cozinhados no microondas provocam cancro: Mito

Não está demonstrado que alimentos aquecidos no microondas provoquem cancro; devem usar-se recipientes que não libertem ftalatos, como os de vidros em vez dos de plástico (a não ser os apropriados, com rótulo de segurança).

Má alimentação aumenta o risco de desenvolver cancro: verdade

A má alimentação, com excesso de gordura, pouco nutritiva, com excesso de sódio e açúcar e ultraprocessada, aumenta o índice de gordura no organismo, e contribui para o desenvolvimento de hipertensão, problemas cardiovasculares, diabetes, dislipidemia, excesso de peso e obesidade, que aumentam o risco de cancro e recidiva.

Há alimentos que provocam cancro: Verdade

Vários alimentos são promotores de cancro, agredindo as nossas células e desencadeando conjunto de reações químicas inflamatórias e mutações genéticas, degenerando para cancro. Entre todos identificados ou fortemente suspeitos, há alguns que devemos evitar consumir regularmente: carnes e peixes fumados, ricos em nitrosaminas (responsáveis por cancro gástrico); farinhas brancas e margarinas, que estimulam inflamação e crescimento celular pela insulina e IGF; gorduras hidrogenadas e gordura de animais oriundos de pecuária intensiva, demasiado ricos em ómega-6 e pobres em ómega-3. Ao contrário, muitos vegetais e algumas frutas contrabalançam os mecanismos inflamatórios e protegem-nos do cancro.

Proteínas de origem animal não “alimentam” o tumor: Verdade

A perda muscular é um dos efeitos colaterais do tratamento oncológico. As proteínas são fundamentais no transporte de substâncias no sangue, na síntese de hormonas e construção dos músculos. Ou seja, ingerir proteínas em quantidades adequadas mantém os músculos saudáveis e é essencial para as diferentes funções do organismo. As proteínas de fonte vegetal são excelentes, mas muitas vezes não conseguem atingir as necessidades proteicas isoladamente, precisando do complemento das proteínas de origem animal.

Cortar os açúcares da dieta ajuda no tratamento do cancro: Mito

O consumo de hidratos de carbono é o principal responsável por fornecer energia às células. Quando deixamos de os consumir, o organismo procura outros meios para compensar essa falta, como a utilização das proteínas dos músculos, o que leva a perda de peso e músculos, sendo prejudicial, principalmente durante os tratamentos antineoplásicos e para a sua recuperação.

Jejum intermitente ajuda na recuperação do cancro, nos seus tratamentos e na sua prevenção: Mito

O cansaço e dores musculares e articulares pós tratamentos oncológicos contraindicam a prática de exercício físico: Mito

Excesso de gordura corporal aumenta o risco de cancro: Verdade

A alimentação pode contribuir para a prevenção do cancro: Verdade

Alguns alimentos podem ajudar a proteger o corpo contra a doença, já outros podem aumentar o risco de a desenvolver. Uma dieta rica em alimentos naturais ou minimamente processados (frutas, legumes, verduras, cereais integrais, leguminosas) e pobre em alimentos ultraprocessados, e refrigerantes, pode prevenir o surgimento da doença e a sua recorrência.

Os adoçantes provocam cancro: Mito

Não há evidência científica suficiente que sustente que os adoçantes não sejam seguros em doses moderadas.

Os superalimentos podem evitar o cancro: Mito

É verdade que alguns alimentos têm maior concentração de nutrientes antioxidantes, vitaminas e minerais com efeitos benéficos para a saúde. Ainda assim, os estudos em animais são feitos com doses muito elevadas destes compostos, que acabam por ser desfasadas da realidade e das quantidades que ingerimos no quotidiano.

É recomendada uma dieta cetogénica para prevenir a recorrência da doença oncológica: Mito

Quem tem um familiar com cancro irá ter a doença: Mito

Apenas 5% a 10% dos cancros são causados por herança familiar; a maioria dos casos não está associada a transmissão genética.

Mas como é uma doença relativamente comum, pode haver mais do que um doente na mesma família, sem que os mesmos tenham relação hereditária. Muitas vezes, pais e filhos, avós e netos, ou outros casos com grau de parentesco próximos, estão expostos aos mesmos fatores de risco, como o tabaco, por exemplo, e têm maior probabilidade de desenvolver a doença.

Exceção: mutações em genes promotores de cancro

Refrigerantes possuem um corante que favorece a formação do cancro: Verdade

Os refrigerantes contêm 4-MI (4-metil-imidazol), classificada como possivelmente cancerígena pela International Agency for Research in Cancer, da Organização Mundial da Saúde (OMS).

O álcool provoca cancro: Verdade

Apesar de socialmente tolerável, mesmo a ingestão moderada de bebidas alcoólicas provoca cancro (além de várias outras doenças físicas e psiquiátricas). Pelo menos 5% das mortes por cancro são causadas pelo álcool, não apenas cancro do fígado (a partir de cirrose) mas também, por agressão direta das mucosas pelo acetaldeído. Também deve ser evitado em sobreviventes de cancro.

O uso de telemóvel pode causar cancro: Prudência

Os estudos são contraditórios sobre o uso de telemóvel e cancro, mas várias sociedades científicas aconselham prudência máxima no uso por crianças e limitação do número de horas em adultos, sugerindo, se o uso prolongado for necessário, sistemas de mãos-livres, que afastem os aparelhos do corpo humano. E, na dúvida, à noite, mantenha, por favor, o telemóvel afastado da cabeça.

O cancro é uma doença moderna da sociedade ocidental: Mito

Ao contrário do que se possa pensar, o cancro não é uma doença exclusiva do nosso tempo. Foram detetados sinais da doença num esqueleto com mais de três mil anos. Há também descrições de casos da doença com milhares de anos feitas por físicos gregos e egípcios. Ainda assim, é verdade que a alteração do estilo de vida tem contribuído para o aumento da doença, sobretudo por causa do aumento da esperança média de vida (a idade é um dos principais fatores de risco do cancro).

Finalizo com a opinião da doutora Joana Gante, nutricionista no IPO Coimbra:

“Pode a alimentação ajudar a curar o cancro? Não, não tem esse poder curativo. Pode sim, permitir um estado nutricional mais equilibrado e assim uma capacidade de suportar melhor os tratamentos oncológicos. Nenhum alimento isolado poderá proteger contra o cancro por si só. No entanto, a evidência mostra que ter um peso saudável, uma dieta equilibrada, variedade de vegetais, frutas, cereais integrais, leguminosas, laticínios (sim, os laticínios têm um efeito protetor) poderá ajudar a diminuir o risco de muitos tipos de cancro. Existe evidência robusta de que a inclusão de atividade física diária tem um efeito protetor contra o desenvolvimento de cancro. Por outro lado, será importante diminuir ou limitar a ingestão de carnes vermelhas e processadas, bebidas açucaradas, alimentos ricos em gordura e açúcar refinado, alimentos ultraprocessados (fast-food, por exemplo), limitar o consumo de bebidas alcoólicas (não existe uma dose segura).”

Factos.


O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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