Inovação Pedagógica: os enredos de uma política

Os Planos que estão em curso estão, de facto, a inovar de modo sistémico e ecológico e a criar melhores oportunidades de aprendizagem?

Há largas dezenas de unidades orgânicas, leia-se escolas/agrupamentos de escolas que no ano letivo 2022/23, supostamente, estão a desenvolver Planos de Inovação Pedagógica que conceberam e foram validados pela Direção-Geral de Educação. Estes planos parecem estar reféns de uma ideologia curriculista e presentista (e da regulamentação de uma portaria pré-pandémica) que pouco terão aprendido com as práticas do ensino a distância e da aprendizagem em todos os lugares e de diversos modos. Se esta suposição tiver alguma verdade, os horizontes de possibilidade de reinvenção da gramática escolar e a imperativa personalização do ensino e o incremento de uma maior liberdade de aprender poderão estar a ser prejudicados.

Como se refere no Call for papers da Revista Portuguesa de Investigação Educacional:

No campo escolar, após o acesso forçado de professores, alunos e famílias ao 'ensino à distância' e ao e-learning e tendo em conta o crescente e generalizado uso de dispositivos eletrónicos móveis por parte das crianças, muitos sonharam com uma oportunidade única de enriquecimento da educação, tornando-a um bem acessível a todos e promotor da realização humana de cada um (Alves & Cabral, 2020).” E na mesma call constatava-se e perguntava-se:

“Ao ouvirmos estes grandes motores de inovação e de mudança da educação a roncar no exterior das escolas pela ordem digital, imaginamos que provavelmente nada ficará como dantes. Mas urge perguntar: o que comanda hoje a ação política educacional e a razão pedagógica? Como é que partidos políticos, organizações profissionais, professores, alunos e pais, autarquias e outras organizações sociais estão a re-agir?

Este é o ponto de partida para uma reflexão breve sobre os enredos da inovação pedagógica que não se sabe bem o que é e como se processa nas nossas escolas.

Um conceito possível

A inovação pedagógica é um processo complexo e dinâmico de mudança intencional e fundamentada nas teorias da aprendizagem e na investigação educacional, que envolve a introdução deliberada e sistemática de novos métodos, tecnologias ou abordagens pedagógicas e/ou organizacionais no contexto educativo, com o objetivo de promover a melhoria da qualidade das aprendizagens, a implicação dos alunos, a criação de uma comunidade educativa, a formação de competências relevantes para viver uma vida digna e decente.

Os Planos que estão em curso estão, de facto, a inovar de modo sistémico e ecológico e a criar melhores oportunidades de aprendizagem, através da conjugação das variáveis-chave da gramática escolar, leia-se, o modo de organizar e gerir o currículo, os tempos e os espaços de aprendizagem, os modos de agrupar os alunos, os modos de trabalho de professores e alunos, as possibilidades de personalização das aprendizagens, o reforço da liberdade de ensinar e de aprender?

Uma realidade preocupante

No âmbito de um projeto de investigação exploratório foram inquiridos, em abril de 2023, através de itens abertos, cerca de quatro dezenas de professores, alunos de pós-graduação na área da educação da Universidade Católica Portuguesa sobre a) conceito de inovação pedagógica, b) fatores indutores da inovação, c) fatores de bloqueio, tendo obtido as seguintes tendências de resultados:

em relação ao conceito prevalece uma grande diversidade de pensamento, embora prevaleça a ideia de mudança positiva e intencional de processos educativos; em relação aos fatores indutores da inovação prevalecem três ideias-chave: trabalho colaborativo, lideranças empoderadoras, disposição profissional para a reflexão e a criatividade; em relação aos obstáculos, a tendência vai para a existência do medo de arriscar e a predominância de uma cultura burocrática que menoriza, mas protege.

Um programa de ação

Estes dados preliminares sinalizam a grande relevância de aferição e consensualização do conceito para haver uma referência comum, a pertinência (e urgência) de um trabalho de promoção de uma cultura profissional colaborativa, e a necessidade de passagem de uma ordem da servidão protetora para uma disposição criadora e autoral.

E a este propósito poderíamos lembrar um fragmento de entrevista concedida por António Nóvoa, já em 2006: “Em vez de um centralismo legislador e reformador, políticas localizadas nas escolas e nos seus lugares sociais de inserção; em vez da lógica desenvolvimentista do 'capital humano', uma Escola da cultura, do conhecimento e da ciência; em vez de programas e modelos uniformes, a liberdade de organização e de gestão das escolas, a diversidade curricular e a diferenciação pedagógica; em vez de programas e planos de emergência, um investimento sustentado e coerente nas escolas, nos professores e nas redes de aprendizagem; em vez de processos burocráticos de recrutamento docente, uma escolha dos melhores professores, baseada nas suas qualificações e nos projectos educativos das escolas; em vez de um funcionamento às cegas, práticas regulares de autoavaliação e de avaliação externa dos alunos, dos professores, das escolas e das políticas.

Precisamos de desafiar os professores e as escolas a quererem trabalhar de um outro modo: mais autónomo, mais profissional, mais colaborativo, mais gratificante e mais eficaz. Para que as escolas possam ser, de facto, comunidades de aprendizagem.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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