Alerta na Europa: secas, incêndios e calor em 2022 revelam retrato “assustador”

A Europa viveu em 2022 o Verão mais quente de que há registo, com direito a grandes incêndios florestais, condições de seca e ondas de calor intensas, revela relatório anual do programa Copérnico.

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A Europa é o continente onde o termómetro está a subir mais rapidamente ao longo das últimas décadas Reuters/ISABEL INFANTES

O ano passado foi um ano escaldante para a Europa: o continente testemunhou em 2022 o Verão mais quente de que há registo, com direito a diferentes fenómenos climáticos extremos, incluindo grandes incêndios florestais, condições de seca hidrológica e ondas de calor intensas. Estas são algumas das conclusões do relatório anual O Estado do Clima na Europa, divulgado esta quinta-feira pelo serviço do programa europeu Copérnico para as alterações climáticas.

O relatório apresenta dados que são, “de alguma forma, assustadores”, mas “é importante saber a verdade” para que se possa “agir e tomar as medidas adequadas”, afirmou Mauro Facchini, chefe da Observação da Terra na Direcção-Geral da Indústria e Espaço de Defesa da Comissão Europeia, durante a conferência de imprensa virtual para apresentar o relatório. “Basta ligar o televisor e ver os noticiários para testemunhar os efeitos das alterações climáticas”, constatou o responsável.

Em termos mundiais, os oito últimos anos foram os mais abrasadores, sendo 2022 o quinto mais quente de que há registo. Diferentes regiões do planeta testemunharam temperaturas recorde – e a Europa é um bom exemplo disso, tendo vivido o Verão mais quente de que há notícia, com 1,4 graus Celsius acima da média, e 0,3-0,4 graus Celsius acima do anterior Verão mais quente, registado precisamente no ano anterior.

A Europa é, aliás, o continente onde o termómetro está a subir mais rapidamente ao longo das últimas décadas: as temperaturas em solo europeu têm subido a um ritmo duas vezes mais rápido do que a taxa global. Há vários factores que contribuem para isso – os sistemas climáticos são sempre complexos e multifactoriais –, mas Rebecca Emerton, a autora principal do relatório, explicou que isto ocorre porque a maior parte da Europa é composta por território – e o solo aquece mais rapidamente do que as massas de água. “As dinâmicas atmosféricas também exercem influência”, explicou a cientista aos jornalistas, durante a conferência de imprensa virtual.

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Grande parte da Europa ocidental experimentou ondas de calor em 2022. As temperaturas mais altas nessa parte do continente chegaram a patamares dez graus Celsius mais altos do que as temperaturas máximas típicas do Verão. As temperaturas no Reino Unido ultrapassaram a barreira dos 40 graus Celsius pela primeira vez. O Sul da Europa testemunhou um número recorde de dias com “stress térmico muito forte”. A temperatura média da superfície da água dos mares europeus foi a mais quente de sempre.

Estes cenários climáticos abriram espaço para combinações indesejadas: temperaturas mais altas do que o habitual que, conjugadas com a falta de chuva, agravaram os episódios de seca hidrológica na Europa. Esta conjuntura também favoreceu a multiplicação e a intensidade de incêndios. 2022 foi o ano em que os países europeus registaram a segunda maior área ardida desde que há registos. As emissões de carbono resultantes desses fogos no Verão foram as mais altas em 15 anos, com alguns países chegando mesmo a registar as maiores emissões em 20 anos.

“São tendências preocupantes”, disse Carlo Buontempo, director do Serviço Copérnico para as Alterações Climáticas, na mesma ocasião. A relação que temos hoje com a meteorologia e com o clima vai ser muito diferente daquela que terão os nossos descendentes, acredita o responsável, para quem é importante “tirar partido dos dados que somos capazes de reunir” para produzir mudanças.

Menos neve, solos secos

Há ainda o problema da seca, que tanto afligiu a Europa em 2022. Houve não só baixa precipitação ao longo do Verão, mas também singulares ondas de calor, dando origem a condições de seca prolongada que afectaram sectores como a agricultura, os transportes fluviais e a energia. Para Mauro Facchini, é importante planear e colocar em prática medidas de adaptação ligadas à gestão da escassez hídrica, como, por exemplo, a criação de “diferentes modos de armazenar água”.

A anomalia anual da humidade do solo foi a segunda mais baixa no último meio século (ainda que algumas áreas isoladas tenham apresentado em 2022 condições de humidade do solo maiores do que a média). Samantha Burgess, subdirectora daquele serviço do Copérnico, acrescentou que os países mediterrânicos – Portugal incluído – “tendem a continuar a enfrentar condições de seca esta Primavera e no Verão também”. “Os solos nos países mediterrânicos estão incrivelmente secos”, afirmou a cientista. “Muito provavelmente, vamos ter uma colheita agrícola reduzida este ano...”

No Inverno de 2021/2022, houve menos neve do que o habitual. Por outro lado, a chuva durante a Primavera também ficou abaixo da média em grande parte do continente. Esta combinação perigosa de pouca neve no Inverno e muito calor no Verão favoreceu uma perda recorde de gelo dos glaciares nos Alpes, algo equivalente a cinco quilómetros cúbicos. Durante a conferência de imprensa, Rebecca Emerton comparou este gigantesco volume de gelo à Torre Eiffel. Se colocarmos este cubo imaginário em Paris, veremos que ele teria 5,4 vezes a altura do monumento francês.

As duas regiões polares enfrentaram um aquecimento fora do habitual em 2022. O gelo no mar Antárctico atingiu a extensão mínima mais baixa registada em Fevereiro. No final do ano, a Gronelândia testemunhou um recorde de derretimento do manto de gelo, com pelo menos 23% da área total impactada durante uma das três ondas de calor registadas em Setembro.

No que toca ao Árctico, 2022 foi o sexto ano mais quente da região, sendo que Svalbard (a área norueguesa do Árctico) viveu o Verão mais quente de que há registo. Este degelo contribui, já sabemos, para a subida do mar. Os dados disponíveis para os últimos seis meses de 2022 mostram, em consonância com as previsões científicas, que o nível médio do mar continua a aumentar, tendo alcançado um novo recorde no ano passado.

O documento divulgado esta quinta-feira também avalia o potencial de geração de energia renovável na Europa. Em 2022, a Europa recebeu a maior quantidade de radiação solar de superfície em quatro décadas, o que aumentou a capacidade de gerar energia solar fotovoltaica. Já a a velocidade média anual do vento na Europa manteve a média dos últimos 30 anos. Rebecca Emerton frisou, contudo, que os autores do relatório valorizaram apenas o factor climático no capítulo das energias renováveis, descurando outros aspectos como a capacidade instalada.

No que toca à emissão de gases de efeito de estufa, o relatório indica que, em 2022, as concentrações médias anuais globais de dióxido de carbono (CO2) e metano (CH4) atingiram os níveis mais altos alguma vez medidos por satélite.

“O último relatório-síntese do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) adverte que estamos a ficar sem tempo e que o aquecimento global tem resultado em eventos climáticos extremos mais frequentes e intensos, como é o caso da Europa. Somente informações e dados precisos sobre o estado actual do clima nos podem ajudar a atingir as metas que estabelecemos. O relatório O Estado do Clima na Europa constitui uma ferramenta essencial para apoiar a União Europeia na agenda de adaptação climática e no compromisso de alcançar a neutralidade climática em 2050”, conclui Mauro Facchini, citado na nota de imprensa.

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