Mudanças no retalho: tudo ao mesmo tempo e em todos os canais

Dois terços dos utilizadores do TikTok afirmam ser a autenticidade de um criador a razão que os motiva a comprar uma marca.

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Uma das tendências que emergiu como popular entre os jovens da geração Z é a do comércio comunitário Andrea Piacquadio/pexels

Um dos temas que tem marcado a atualidade do retalho prende-se com a construção de relacionamentos entre fãs e marcas, tecnologia integrada e obtenção de insights relevantes através da análise de clientes.

A Geração Z (normalmente associada a jovens nascidos entre 1997 e 2012) é caraterizada por um novo tipo de consumidores, notoriamente mais tecnológico e sensível a causas, mas também muito mais cético. Este público está mais interessado numa aposta na autenticidade e na transparência, portanto mais interessado em campanhas com capacidade de criar impacto e engagement com as empresas, nomeadamente se estas tiverem por detrás valores credíveis e alinhados com os seus.

Uma das tendências que emergiu como popular entre os jovens da geração Z é a do comércio comunitário. E um bom exemplo do como as marcas estão a ficar cada vez mais atentas a esta tendência e a atribuir confiabilidade aos influencers que partilham as suas preferências e as suas opiniões, é a rede social TikTok, envolta em polémica por um lado, mas de cujo ADN faz parte a sua capacidade de conectar os diferentes utilizadores a conteúdo produzido de forma autêntica e realista.

Ao contrário de outras plataformas sociais, que dão prioridade a conteúdos altamente selecionados e editados, o TikTok incentiva os seus utilizadores a criarem conteúdo bruto e não polido. Esta abordagem ressoou entre os consumidores mais jovens, desiludidos com a publicidade tradicional, e que procuram marcas genuínas e identificáveis.

Dois terços dos utilizadores da rede afirmam ser a autenticidade de um criador a razão que os motiva a comprar uma marca. Este é, sem dúvida, um dos elementos que mais contribuiu para a criação do sucesso dessa marca.

Todavia, não se pense que construir uma marca autêntica é fácil. Requer uma compreensão profunda do seu público-alvo e assume uma aceitação de vontade em ser vulnerável e honesto sobre os pontos fortes e fracos da empresa. Mas para as marcas que estão dispostas a trabalhar este ponto, as recompensas podem ser significativas.

Uma marca que ganhou destaque por meio do TikTok é o peso-pesado digital Shein. Embora o retalhista internacional de roupas de origem chinesa exista desde 2008, a Shein entrou em erupção no mercado mundial durante a pandemia de covid-19, quando os consumidores, famintos por compras e por formas de socialização alternativas, foram deixados sozinhos com seus dispositivos hiper-conectados.

A Shein, que no Instagram conta com 23,7 milhões de utilizadores, aposta no lançamento frequente de produtos novos e acessíveis e tornou-se uma sensação da noite para o dia. Para este sucesso contribuíram os vídeos no TikTok e no Reels, com milhares de criadores a partilharem as suas experiências de todo mundo, e para todo o mundo ver.

Em 2022, a Shein ultrapassou seus principais concorrentes, como a H&M e a Zara, e embora tenha enfrentado algumas críticas por contribuir para uma cultura de desperdício, outros argumentam que a marca tornou a moda para todas as formas, tamanhos, feitios e extratos bancários mais acessível do que nunca. É o fenómeno da democratização da moda online.

Por outro lado, de modo a fazer face à crítica de consumismo exagerado, a Shein criou, em 2022, o chamado Shein Exchange, onde os clientes que compraram podem revender as suas roupas a outros clientes, dando cobro a uma tendência a que um dos seus principais segmentos de clientes – os Gen Zers – são sensíveis: a circularidade. Ao somar a circularidade ao modelo de negócio, a empresa encontrou um dos elemento-chave para resolver alguns dos desafios de longo prazo que todos enfrentamos como cidadãos.

Outro dos desafios das marcas prende-se com a digitalização de toda a experiência de compra, desde a pesquisa e comparação, ao advocacy. Um ponto que mais tem recebido a atenção das marcas prende-se com a automação da compra, seja nas redes sociais, seja em plataformas peer-to-peer, seja na gestão de stocks.

Neste sentido, várias start-ups têm apostado no uso de chatbots que assumem cada vez mais protagonismo em diferentes etapas da jornada de consumo, permitindo também o outsourcing desta fase do processo.

Por norma, o processo funciona da seguinte forma: quando um cliente envia uma mensagem para a conta de social media de uma plataforma, manifestando interesse num determinado produto, o chatbot responde com uma recomendação de produto ou com um link para a página do produto. O cliente pode adicionar o item ao carrinho, inserir as informações de pagamento e envio e concluir a compra — tudo na interface de conversação da plataforma.

Trata-se de mais um avanço da indústria em direção ao comércio social e manifesta a procura das marcas em criarem experiências de compras personalizadas que se alinhem com sua identidade. Por outro lado, o outsourcing dos retalhistas para infraestruturas como esta, acaba por reduzir a complexidade associada a ter de gerir várias janelas para o mundo, com vários sistemas de back-end, o que pode sair muito caro e demorado.

Há também cada vez mais plataformas de planeamento e otimização de inventário com inteligência artificial que capacitam as equipas de merchandising a tomar decisões de gestão de inventário informadas e baseadas em dados com análise preditiva. Assim, estas tecnologias, ao ajudarem os retalhistas a prever as necessidades de stock e a cadeia de abastecimentos num mercado imprevisível, levam a que o retalho, que costumava ser de cima para baixo, mude para um cenário em que os consumidores decidem o que outros consumidores devem comprar e em que lojas.

Isto é especialmente interessante se considerarmos que marcas de retalho estabelecidas e que já existem há algum tempo viram a sua capacidade de influenciar a procura do consumidor sofrer um grande revés. Agora, é a análise preditiva da Inteligência Artificial (IA) que é usada para informar a procura, e nesse sentido, é a pegada de preferências deixada pela procura (manifesta e latente) que está na base das decisões de produção e de stock dos retalhistas. Este ficam, portanto, em melhores condições de evitar erros de produção para stock que acabam, muitas vezes, nos aterros sanitários.

Não podemos, por isso, deixar de sublinhar o quão poderoso o comércio social e a tecnologia orientada por IA são no impulso para a transformação no setor de retalho. Essas ferramentas permitem que os retalhistas personalizem a experiência de compra, otimizem os níveis de stock e se envolvam com os clientes de modo autêntico e relevante — todas as funções que agora são fundamentais para o retalho inteligente.

No entanto, é importante sublinhar que a tecnologia não é uma panaceia para todos os desafios do retalho e, às vezes, a tecnologia, por ser técnica, pode deixar o público desconectado da experiência geral. Assim como uma peça tem um tema central que une tudo, os retalhistas devem ter uma mensagem de marca clara e atraente que fale diretamente ao coração do seu público-alvo.

Os responsáveis de marketing e vendas devem continuar a apaixonar na busca por uma oferta de atendimento excecional ao cliente. E assim como um grande desempenho deixa uma impressão duradoura no público, já que uma ótima experiência de retalho deixa uma impressão duradoura no cliente. Tal como no palco, os clientes estão agora a assistir de perto a tudo, ao mesmo tempo e em todos os canais.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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