Agora, Alexander-Arnold é nome de médio
Jürgen Klopp, como Pep Guardiola, teve de “inventar” qualquer coisa para tornar a equipa menos previsível. Agora, Alexander-Arnold é médio – e continua a ser lateral. Há sucesso neste “dois em um”.
A sabedoria popular diz que a necessidade aguça o engenho e Jürgen Klopp tem tido necessidades bem prementes. Uma delas é a de conseguir bons resultados, outra é a de ter a equipa a jogar bom futebol – preceitos longe de reais na temporada 2022/23. Nessa medida, o treinador alemão decidiu ser criativo, depois de cinco jogos sem vencer.
Em rigor, podemos dizer que adaptou uma ideia já aplicada por outros treinadores – e mais celebrizada por Pep Guardiola –, mas talvez até tenha um jogador tão ou mais competente para a “invenção” do que o treinador espanhol.
O que está em causa é a passagem de um dos laterais para a posição de médio quando a equipa está em processo ofensivo. John Stones, central, tem feito essa função no Manchester City, como já fizeram, noutros momentos, João Cancelo, Zinchenko ou mesmo Kimmich, no Bayern.
Agora, chegou a vez de Trent Alexander-Arnold. E parece estar a funcionar.
Mais Arnold
Nos últimos dois jogos do Liverpool, frente a Arsenal e Leeds, o lateral inglês assumiu posições interiores em momento ofensivo, posicionando-se como um segundo médio-defensivo, ao lado de Fabinho, num sistema que, com bola, fica qualquer coisa como um 3x2x5, com Robertson a fazer um trio de defesas do lado oposto.
O objectivo passa por ter um jogador a mais para construir pela zona central e ligar o jogo para os criativos sem ter de tirar um jogador do ataque para essas funções. Traz ainda a vantagem de confundir as referências de pressão do adversário no sentido em que obriga o ala a defender mais por dentro, já que no corredor não tem nenhum lateral para cobrir.
Alexander-Arnold tem sido apontado como um lateral único no prisma ofensivo, mas sofrível no defensivo. Concordemos ou não com a premissa, o certo é que, recebendo a bola na zona média, mais por dentro, tem conseguido desequilibrar por espaços em que tem mais impacto no jogo – e não há nada que Arnold aprecie mais do que ter impacto no jogo, algo que, mesmo como lateral, o seduz frequentemente a procurar espaços interiores.
No jogo frente ao Leeds, por exemplo, Arnold andou mais do que nunca por zonas interiores (ver mapa de calor em baixo) e tocou 153 vezes na bola, mais do que qualquer outro jogador. Podendo ser injusta a comparação de desempenho frente a adversários como Manchester City ou Real Madrid, olhemos para o que fez no último jogo frente a um adversário mais frágil, o Bournemouth.
Uma zona de influência bem diferente (mapa de calor em baixo) e um número de toques na bola (92) também bem distinto.
Mais Salah
Mas não é apenas Arnold que parecer beneficiar. Frente ao Arsenal, o primeiro jogo com Arnold tão evidentemente médio, Mo Salah tocou mais vezes na bola e rematou mais do que em qualquer outro jogo da época, algo que teve que ver com a forma como Arnold “desbloqueava” o egípcio.
Estando em zonas mais centrais, Arnold provoca um dilema aos adversários. Se não saem na pressão ao inglês, ele usa a capacidade de passe e de progressão com bola para desequilibrar no último terço. Se saem ao jogador, então vão deixar espaço para a bola entrar no corredor direito, em Salah, que teve mais acções de um contra um do que tinha com Arnold como lateral mais convencional.
“Abre-nos mais possibilidades (...) podemos fazer o primeiro passe logo para o Salah”, constatou Klopp, que diz, citado pelo The Athletic, que o plano é não fazer da procura de zonas interiores uma mera espontaneidade de Arnold, mas sim uma ideia mais frequente.
“Aconteceu mais frequentemente porque queríamos que acontecesse mais frequentemente. Não é a primeira vez, mas antes talvez não tenha sido tão óbvio. Foi um grande passo fazermos isso contra o Arsenal”, explicou, após o jogo com os londrinos, acrescentando que é algo que encaixa nos predicados do jogador: “Sobretudo na segunda parte ele foi muito dominante com a bola e isso ajudou-nos bastante”.
Não é tudo perfeito
Desvantagens? Existem, naturalmente. Uma delas, ofensiva, é a de o Liverpool usar menos a capacidade de Arnold no cruzamento, predicado que aplica com qualidade em posições mais lateralizadas.
Defensivamente, esta dinâmica também pode criar problemas na recuperação após a perda da bola, já que Arnold tem de baixar rapidamente para a posição de lateral-direito.
Quando não o faz, a “fava” calha a Konaté, central do lado direito, que fica com uma porção de campo muito grande para cobrir. Se abre demasiado, para compensar a ausência de Arnold, abrirá espaço entre si e Van Dijk. Se não abre, mantendo a posição, vai acabar por deixar embalar alas e laterais adversários vindos do corredor.
Jürgen Klopp reconheceu que esta dinâmica ainda carece de trabalho e melhorias, mas, como dizia o jornalista Andy Jones num artigo no The Athletic, uma coisa é certa: ter Arnold e Salah mais em jogo é, em teoria, meio caminho andado para o sucesso. Considerando os maus resultados do Liverpool, vale a pena tentar.