Cientistas com bolsa ou vínculo precário exigem condições de trabalho dignas

Manifestação no Porto juntou cerca de uma centena de cientistas com vínculos precários ou bolsas de investigação que pretendem maior estabilidade e garantias contratuais.

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Centenas de cientistas reivindicam a revogação do Estatuto de Bolseiro de Investigação FERNANDO VELUDO/LUSA

Perto de uma centena de investigadores com bolsa ou vínculos precários concentraram-se esta quinta-feira junto ao Pólo Universitário da Asprela, no Porto, para exigir “condições de trabalho e de vida dignas”, numa iniciativa da Associação de Bolseiros de Investigação Científica (ABIC).

“A precariedade pode levar-nos a viver na rua”, desabafa Marta Lopes, representante dos estudantes de doutoramento do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (I3S) da Universidade do Porto.

A frase foi dita perante dezenas de pessoas do Porto e de instituições do Minho, sejam bolseiros de investigação ou investigadores contratados com vínculo precário, que partilham, nas declarações aos jornalistas, as palavras “angústia”, “injustiça” e “ansiedade”.

O cenário inclui faixas com questões como “Somos Universidade. Precários para sempre?” ou “Bolsas de Investigação = Liberdade de Exploração” e os desabafos, ao microfone, pessoais ou em nome de colectivos de vários institutos, são intercalados por palavras de ordem: “Para a Ciência avançar é preciso contratar” e “Contratos sim, bolsas não. Queremos a carreira na investigação”.

Em causa estão reivindicações que, dizem todos, “não são de hoje e se arrastam há muitos anos”.

À agência Lusa, João Rodrigues, dirigente da ABIC, explica que a principal reivindicação é a revogação do Estatuto de Bolseiro de Investigação para que “todas as bolsas passem a contratos de trabalho com todos os direito laborais inerentes”, desde logo com o direito aos subsídios de férias e de Natal, entre outros pontos relacionados com questões de doença ou reforma.

“Também exigimos a abertura de concursos dos investigadores para objectivo de carreira. Não há garantias efectivas de integração nas carreiras. Após o término da bolsa, após o terceiro ou quarto ano, os investigadores ficam desempregados e têm de depender da família e dos amigos até abertura de novas bolsas”, diz o dirigente.

Esta é a realidade de Ana Marques (45 anos) e de Luís Reis (28). Ana está contratada pela Universidade Católica do Porto ao abrigo da norma transitória e termina o vínculo no final do próximo ano, enquanto Luís é bolseiro de terceiro ano no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) do Porto.

Sonhos “completamente adiados”

“Eu sou da altura em que foi investido muito dinheiro em ciência. Interessava termos muitos doutorados para termos números para mostrar lá fora e estar na linha da União Europeia. Mas nós não somos números, somos pessoas. É preciso alterar esta política”, defende Ana Marques.

Em declarações à Lusa, esta doutorada em engenharia do ambiente, mãe de dois filhos de oito e 15 anos, conta que esteve 16 anos dependente de bolsas sucessivas, com uma interrupção de meio ano em que esteve desempregada.

“Das primeiras coisas que [o meu filho mais velho me] disse, ao fazer os testes psicotécnicos [no ano passado], foi que não queria ciência porque conhece o percurso e sabe que é complicado gerir. São anos de muita incerteza e ansiedade, principalmente quando temos filhos a nosso cargo. Nunca sabemos se vamos ter alguma coisa ou não. Eu cheguei a trabalhar num call center para sustentar os meus filhos”, conta.

O contrato de Ana Marques termina a 30 de Novembro de 2024 e questionada sobre o que a reserva quando o contrato terminar, responde: “O subsídio de desemprego. Não há fundos para contratar todos os investigadores. Só uma pequena percentagem é que fica.”

Já Luís Reis sente que tem os sonhos e projectos de vida “completamente adiados” e alerta que este regime, que lhe parece “ser único na Europa”, está “a afastar os jovens da ciência e da investigação” e, assim, “a atrasar Portugal”.

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Perto de uma centena de investigadores manifestaram-se esta quinta-feira no Porto contra as condições precárias na ciência Fernando Veludo/LUSA

“Precário é uma palavra que não define o modelo actual, nem a nossa situação. Isto é muito pior do que precariedade. As bolsas são renováveis com a garantia no máximo de um ano. Quem é que dá um empréstimo para um carro ou para uma casa a um jovem que quer prosseguir a sua via pessoal, se a titulo profissional tem esta incerteza?”, desabafa.

A ABIC também reivindica “a real actualização do valor das bolsas enquanto estas não forem substituídas por contratos de trabalho e valorização dos salários dos investigadores”, entre outras medidas de dignificação dos trabalhadores da ciência.

Para 21 de Abril, revelou a presidente da ABIC, Bárbara Carvalho, está a ser marcada uma concentração na Assembleia da República por ocasião da discussão em plenário da petição “Pelo fim das taxas de entrega da tese de doutoramento”. “Paralelamente está a ser pensada uma iniciativa nacional para Maio”, completa a dirigente.

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