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"Os dados são o novo petróleo" é daquelas frases que ficam bem em Powerpoints. Mas a comparação é frouxa, na melhor hipótese.

O petróleo continua a ser rei, um estatuto de que a invasão da Ucrânia é o mais recente exemplo. Foi por causa do petróleo que o Presidente do país mais poderoso do mundo decidiu que tinha de ir estender o punho a um príncipe saudita a quem não queria apertar a mão.

Se algo se aproxima de ser um novo petróleo não são os dados – são os chips, os pequenos componentes que servem para processar e armazenar informação. A metáfora tem vindo a ganhar força.

Os chips, já o sabemos, estão em todo o lado. Começaram a ser usados muito antes de chegarem às nossas secretárias e aos nossos bolsos. São há décadas parte da indústria aeroespacial e de armamento. Na década de 1960 (muito antes da artilharia teleguiada de extrema precisão ou dos mini-drones comerciais que hoje vemos na frente de guerra ucraniana) os EUA já estavam a colocar chips em satélites, sonares e torpedos.

Hoje, não se restringem aos aparelhos em que estamos habituados a pensar como dispositivos electrónicos. Em qualquer veículo moderno (carro, mota, tractor agrícola ou máquina de construção) a electrónica dos chips funciona a par dos componentes mecânicos que se movem a combustível. O preço dos chips aumenta e sectores díspares  da construção civil aos escritórios de advocacia sofrem um aumento dos custos, num fenómeno que acaba por se repercutir por toda a economia.

Tal como acontece com o petróleo a sério, os chips estão embutidos no tabuleiro da geopolítica global. As duas grandes superpotências têm vindo a desafiar-se e estão em curso ofensivas económicas e diplomáticas. Por estes dias, assistimos a manobras de contra-ataque chinesas.

Em resposta às restrições de exportação que os EUA impuseram sobre os chips e tecnologias adjacentes, a China anunciou uma investigação à fabricante americana Micron, que vende chips para o mercado chinês. O pretexto são preocupações de segurança. É uma ofensiva apenas um pouco mais do que simbólica, uma vez que a Micron produz sobretudo modelos mais básicos, em relação aos quais é simples para Pequim encontrar novos fornecedores. A China tem-se esforçado por aumentar a produção interna, mas continua fortemente dependente de chips importados, incluindo os desenvolvidos pelos gigantes americanos Nvidia, Intel e Qualcomm. 

Também este mês, os chineses aproveitaram uma visita a Pequim do ministro dos negócios estrangeiros japonês para tentarem dissuadir os nipónicos de alinharem com os EUA nas restrições à exportação para a China de tecnologia necessária para a produção de chips.

Um dos factores que torna a cadeia global destes componentes mais complexa do que a do petróleo é que os chips não são todos iguais e os fornecedores não são intercambiáveis.

Para começar, há os chips que são usados nos processadores (seja de computadores, telemóveis ou outros equipamentos) e os que servem para armazenar dados (por exemplo, os que estão nos pequenos cartões de memória). Alguns chips são básicos e outros são tecnologia de ponta: os que estão dentro de uma máquina de lavar roupa não são os mesmos dos computadores em que são desenvolvidas redes neuronais artificiais.

Como em tudo, as variantes mais básicas são mais fáceis e baratas de fazer, e os seus fornecedores são mais facilmente substituíveis; os mais sofisticados envolvem muita investigação e desenvolvimento, são mais caros e muito mais importantes, sobretudo para o desenvolvimento das tecnologias de inteligência artificial que prometem a nova vaga de saltos tecnológicos.

Outro factor que obriga a delicados jogos geopolíticos é que a cadeia de produção dos mais sofisticados assenta num reduzidíssimo número de empresas, ao pé do qual a cadeia global de produção de petróleo parece um bazar apinhado.

Por exemplo, as máquinas usadas para fazer os chips mais avançados são fabricadas exclusivamente por uma única empresa: a holandesa ASML (há sérias hipóteses de que nunca tenha ouvido falar dela apesar de ser a mais valiosa empresa tecnológica europeia). A fabricante taiwanesa TSMC (que produz para praticamente todas as grandes empresas de processadores) tem mais de 50% do mercado global (há quem especule que fábricas da empresa estão localizadas junto ao que seriam pontos estratégicos para um assalto anfíbio à ilha, de forma a dissuadir uma ofensiva chinesa); a ilha, junto à qual a China está a conduzir jogos de guerra, produz aproximadamente um terço do poder de computação global.

Já o software essencial para a indústria é um oligopólio dominado por três empresas: a Cadence e a Synopsys (ambas americanas), e a antiga Mentor Graphics (americana, comprada pela alemã Siemens em 2017 e renomeada para Siemens EDA); juntas, têm 70% do mercado. Uma das restrições americanas incide precisamente na exportação do software destas empresas para a China (e outros países não aliados dos EUA), que passou a ser feita apenas sob licença especial.

Também em contraste com o petróleo a sério, não há nenhum movimento global para reduzir o uso de chips, nem qualquer alternativa ao poder de computação e memória que fornecem: não há uma "energia eólica" para o poder de processamento.

É possível conceber um mundo em que o petróleo é muito menos importante do que é hoje; não é realista olhar para o futuro e não ver um mundo cada vez mais dependente de chips. Está descoberto o verdadeiro "novo petróleo". Mas não é preciso levar a metáfora à exaustão. As diferenças são muitas, como os próximos anos se irão encarregar de mostrar.