Portugal deve agir contra a bomba fóssil de Biden
Excelentíssimos Senhores Presidente da República, Primeiro-Ministro, deputados e deputadas,
Tem sido criticado o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, pelos seus discursos sobre a crise climática, catalogados como alarmistas. Incomodam quem se sente cómodo. Mas não deveriam os responsáveis políticos propagar a esperança?
O relatório-síntese do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas, de 20 de março, alerta-nos para um risco já parcialmente irreversível. Por maior esforço que façamos, já não evitaremos um aumento de 1,5ºC da temperatura média global da atmosfera face ao período pré-industrial, meta dos acordos de Paris e limite para evitar uma interferência perigosa sobre o sistema climático. Dizem os/as cientistas: se atuarmos rápida e radicalmente, poderemos, após esse pico, baixar a temperatura média até ao fim do século, e mesmo assim apenas recorrendo a tecnologias que ainda hoje não estão completamente desenvolvidas.
Mas estamos longe disso: com as atuais políticas, atingiremos os 3,2ºC em 2100. É impossível prever como será um planeta assim. Já hoje, pelo menos três mil milhões de pessoas vivem parte do ano sem acesso a água devido ao aquecimento global. Mil milhões vivem em zonas que serão inundadas pela subida do nível do mar ― contam-se aí milhares de portugueses, em cidades como Aveiro, Faro ou Nazaré. A ciência prefigura um mundo onde o acesso à água será muito desigual. Um mundo pobre, conflituoso, varrido por fenómenos climáticos extremos, com um futuro incerto.
Para evitar esta ameaça, já em concretização, devemos cancelar qualquer nova infraestrutura de extração e queima de combustíveis fósseis, transitar para energias renováveis, regenerar as florestas, recuperar ecossistemas marinhos, garantir uma transição justa com empregos e serviços públicos, compensando e descolonizando o Sul global. Diminuir as emissões globais para metade até 2030 ― assegurando um corte de cerca de 80% nos países industrializados ― e alcançar emissões líquidas zero até 2050.
Poucos dias antes deste «último alerta», o presidente dos EUA, Joe Biden, aprovou o maior investimento petrolífero nos EUA em décadas, o chamado Projeto Willow. Se avançar, a Connoco-Phillips extrairá, no Alasca, seiscentos milhões de barris de petróleo e emitirá gases de efeito estufa ao nível da Bélgica. Serão 239 milhões de mᶟ de CO2, o mesmo que dois milhões de automóveis/ano por três décadas. O petróleo demorará anos a chegar ao mercado e arrasar-se-ão terras de povos indígenas e espécies em perigo. Biden tinha o poder de cancelar este projeto, mas, sob pressão, negociou a sua aprovação. Traiu as promessas com que se elegeu em que garantiu o fim das explorações fósseis em terras federais.
Trata-se de uma declaração de guerra ao planeta. Portugal será dos países europeus mais afetados pelo aumento da temperatura e do nível médio das águas do mar. As várias secas que vivemos são meros avisos iniciais. Há que tomar posição.
Milhões de pessoas já assinaram uma petição pública contra o projeto. Mas é necessário ir mais longe. Os/as representantes políticos devem ter uma mensagem de esperança, dar o exemplo e honrar os compromissos que assumiram perante o mundo, nos acordos de Paris, e perante os/as eleitores/as.
Instamos os órgãos de soberania portugueses a tomarem posição contra este projeto, dirigindo ao governo dos EUA o apelo para que reverta esta sua decisão, cancele o Projeto Willow e cumpra os compromissos que assumiu perante o seu povo, mas também com os restantes países. Esta bomba fóssil é um passo para o abismo. A esperança existe e chama-se ação: é essa responsabilidade que exigimos a quem representa Portugal.
Subscrevem:
Alexandra Lucas Coelho, escritora
Ana Alves, psicóloga e activista pelos direitos humanos
Ana Cristina Santos, gestora de backoffice e de cobranças
Ana Margarida Carvalho, escritora
Ana Margarida da Cunha Neto de Melo, professora
Ana Matias, activista pelo oceano
Anabela Mota Ribeiro, escritora
André Almeida, médico investigador
André Carrilho, artista gráfico
André Leal, activista pela justiça climática
Andreia Galvão, actriz e activista climática
Anizabela Amaral, jurista e activista pelos direitos humanos
António Brito Guterres, investigador em estudos urbanos
António Jorge Gonçalves, desenhador
António Maria Pusceddu, investigador
Beatriz Carvalho, professora
Bianca Castro, activista por justiça climática
Bruno Candeias, operário e sindicalista
Bruno Caracol, artista visual e cenógrafo
Bruno Marchand, curador
Carlos Moreira, operário fabril
Catarina Barros, gestora de ciência
Catarina Chaves, estudante e activista climática
Catarina Soares Barbosa, designer
Cátia Dantas, consultora de negócios e cuidadora
Catia Torres, técnica de laboratório
Célia Pires, produtora de audiovisuais e feminista interssecional e anti-racista
Chiara Picotto, artista
Clara Passarinho, actriz e encenadora
Cláudia Andrade, actriz
Cláudia Martins, professora
Cláudia Ribeiro, doméstica
Cláudio Garrudo, fotógrafo e editor
Conceição Sobrinho, assistente social, actriz e militante anti-racista e por justiça social
Cristina Gameiro, arqueóloga e activista da Frente Grisalha pelo Clima
Cristina Sampaio, ilustradora
Daniel Borges, estudante e activista da Campanha de Empregos para o Clima
Daniel Carapau, funcionário público e activista da Associação de Combate à Precariedade - Precários Inflexíveis e da campanha de Empregos para o Clima
Diana Martins, historiadora
Diana Neves, activista pela justiça climática
Dídio Pestana, artista
Diogo Mesquita, economista
Duarte Martins, artista
Elga Ferreira, professora universitária
Filipe Carvalho, cozinheiro, estudante e activista anti-racista pela justiça climática
Filipe Gonçalves, operador portuário
Filipe Melo, músico e argumentista
Francisco Pinheiro, artista, colectivo Guarda Rios
Hélder Beja, jornalista e argumentista
Hercílio Carvalho, desenhador
Iara Sobral, activista estudantil
Igor Constantino, ferroviário
Inês Barros Beleza, historiadora de arte e activista climática
Inês Barros, secretariado
Inês Eisele, professora
Joana Bértholo, escritora
Joana Mortágua, deputada
Joana Ribeiro, técnica de laboratório
João Bernardo Narciso, bolseiro de investigação
João Camargo, activista pela justiça climática
João Fazenda, ilustrador
João Garcia Rodrigues, investigador
João Monteiro Carvalho, doutorando em biologia e activista da Scientist Rebellion
João Moreira da Silva, investigador
Jorge Leitão, director de start-up
José Abrantes, trabalhador de callcenter e dirigente sindical do SINTTAV
José António Santos, médico
José Ricardo, sociólogo e activista da Associação de Combate à Precariedade – Precários Inflexíveis
José Semedo, professor e treinador
Judite Canha Fernandes, escritora
Júlia Durand, investigadora em Musicologia
Ksenia Ashrafullina, activista
Leonor Canadas, activista por justiça climática
Luís Fazendeiro, investigador em Energia e Clima na UL e activista pela justiça climática
Mafalda Brilhante, activista da Associação de Combate à Precariedade – Precários Inflexíveis
Mamadou Ba, militante anti-racista decolonial e investigador
Manuel Afonso, assistente editorial e activista da Campanha Empregos para o Clima
Manuel Meira, assistente editorial
Margarida Ferra, técnica de comunicação cultural e escritora
Maria do Carmo Piçarra, investigadora e professora universitária
Maria João Moreno, professora
Maria Ramos, gerente
Maria Soares, técnica de laboratório
Mariana Pinto dos Santos, editora, historiadora de arte, Frente Grisalha pelo Clima
Marina Cestari Nardelli, professora
Marta Matos, doutorada, programadora informática e activista climática
Marta Rema, coordenadora editorial e escritora
Michael Vieira, arquitecto
Miguel Cardoso, professor e tradutor
Miguel Martins, estudante e activista social
Mónica Lima, argumentista e realizadora de cinema
Mourana Monteiro, mestranda em Neurociências Cognitivas e Neuropsicologia e activista interseccional
Nuno Saraiva, ilustrador
Patrícia Portela, escritora e dramaturga
Pedro Miguel Cardoso, investigador e formador
Pedro Nuno Galvão, desempregado
Pedro Saavedra, dramaturgo
Pedro Schacht Pereira, professor universitário
Ricardo Moreira, doutorando em alterações climáticas
Rui Borges, docente
Sandra Urseira, militante anti-racista
Sara Figueiredo Costa, jornalista e activista da Frente Grisalha pelo Clima
Sara Veiga, tradutora
Sérgio Letria, director da Fundação José Saramago
Sílvia Carreira, activista pela justiça climática
Sílvia Matias, administrativa e activista da Frente Grisalha pelo Clima
Sofia Abraços, bailarina e professora
Sofia Fernandes da Mata, artista de joalharia
Susana Batel, investigadora
Susana Moreira Marques, escritora
Susana Santos Rodrigues, programadora de cinema
Tatiana Salem Levy, escritora
Teresa Leonor Santos, doutoranda em biologia e activista da Scientist Rebellion
Tiago Gil, gestor de conteúdos multimédia e activista
Tiago Marques, investigador na universidade de St. Andrews e professor auxiliar convidado na FCUL
Tiago Nabais, tradutor
Vanda R Rodrigues, artista
Vasco Cândido, arquitecto
Wanda Brito, advogada
Zeferino Coelho, editor