Proponho-vos um exercício: sustenhamos a respiração durante a leitura deste texto. É sobre a qualidade do ar que respiramos que versa esta newsletter. Todos nós inalamos poluição atmosférica todos os dias – e fazemo-lo porque não temos opção. Ao contrário do tabaco, cujo consumo resulta de uma decisão pessoal (pelo menos numa fase inicial), a aspiração de poluentes é um preço a pagar para continuarmos vivos à superfície da Terra. Esta semana, percebemos quão alta pode ser a factura: as partículas finas que pairam no ar podem "acordar" mutações adormecidas que causam cancro do pulmão.
A poluição atmosférica causa milhões de mortes anuais em todo o mundo, incluindo mais de 250 000 de um tipo de cancro de pulmão chamado adenocarcinoma. Foi sobre esta patologia que um grupo de investigadores se debruçou, procurando perceber como partículas finas interagem com os tecidos pulmonares, "despertando" células que podem dar origem a tumores malignos. A conclusão do estudo, publicado esta semana na revista científica Nature, ajuda-nos a compreender melhor por que razões pessoas que nunca fumaram desenvolvem problemas oncológicos.
Quase não temos ar seguro no planeta. Em 2019, 99% da população mundial vivia em locais onde a qualidade do ar estava aquém da fasquia de segurança estabelecida pela Organização Mundial da Saúde. Nesse mesmo ano, a poluição atmosférica (incluindo CO2) provocou 4,2 milhões de mortes prematuras. Além do cancro, os poluentes aumentam o risco de outros problemas de saúde, como diabetes e ataques cardíacos. Estamos a respirar para viver e a morrer por respirar.
Se chegou até aqui sem respirar, parabéns. Confesso que desisti logo no fim do primeiro parágrafo. Suster a respiração custa muito, assim como saber que a mesma poluição que nos pode matar também contribui para a crise climática. É angustiante. Mas antes de desesperarmos, respiremos fundo. Precisamos dessa energia para operar mudanças. Há saídas para mudar a realidade atmosférica em que vivemos. E a boa notícia é que as acções para melhorar a qualidade do ar também ajudam a combater os efeitos das alterações climáticas. Dois coelhos com uma cajadada só.
Saúde e clima são esferas indissociáveis. Precisamos cada vez mais estabelecer no imaginário colectivo esta ponte entre coisas aparentemente distantes: menos combustão significa mais saúde. Apostar em meios de transporte mais limpos e numa democratização do acesso às energias renováveis constitui, ainda que indirectamente, uma acção de saúde pública. O mesmo vale para políticas públicas e investimentos que favoreçam uma gestão responsável dos resíduos urbanos, casas com eficiência energética e novos caminhos para a transição energética no sector industrial. Desbravar todas essas avenidas também significa reduzir o número de mortes prematuras.
"Se fizermos uma transição ampla para os veículos eléctricos, podemos esperar uma mortalidade prematura reduzida e melhores resultados da asma", garantia Susan Anenberg, directora do Instituto de Clima e Saúde da Universidade George Washington, nos Estados Unidos, citada num artigo publicado este ano na revista científica The Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS).
A transição não será imediata e terá, certamente, outros aspectos negativos – a extracção de lítio, por exemplo, tão crucial para a construção de painéis solares e carros eléctricos, deixa para trás um rasto de poluição e consumo hídrico. Não há transições perfeitas e todos os compromissos implicam alguma cedência. Ainda assim, uma economia com menos carbono parece ser hoje a via mais aceitável para preservamos tanto a saúde humana como a ambiental.