Já não somos tão sexualmente activos

Os números revelam uma diminuição na actividade sexual, especialmente nos mais jovens. Como pode a sexualidade ser expressa livremente quando nos são impostas tantas condicionantes?

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Os jovens da Geração Z têm uma probabilidade duas vezes e meia mais alta de serem sexualmente inactivos em comparação com a Geração X Pexels

Estamos em 2023 e já se contam três anos desde o início da pandemia. Ultrapassámos uma, duas, três vagas do vírus e demos as boas-vindas à época das sequelas. Agora, ainda que quisesse muito dizer com toda a certeza que a covid-19 é uma coisa do passado, surgem estudos que mostram como continua a ter um impacto negativo na nossa saúde mental, na forma como nos relacionamos e, consequentemente, na sexualidade. Um artigo publicado no Archives of Sexual Behavior mostra que, durante o período após os picos de infecções por covid-19, houve uma diminuição do desejo sexual, já que as pessoas reportaram sentir mais stress e solidão.

Ainda que a pandemia possa ser responsabilizada por um decréscimo no desejo sexual, a verdade é que esta é uma realidade há muito anunciada. Entre 2009 e 2018, um estudo nacional realizado nos Estados Unidos concluiu que os jovens entre os 14 e 17 anos foram os que sofreram uma maior diminuição de actividade sexual, tanto sozinhos como acompanhados: em 2009, 28,8% dos homens disseram não ter qualquer tipo de actividade sexual, e em 2018 esse valor subiu para 44,2%.

Da totalidade dos inquiridos, que têm entre 14 e 49 anos, quase um quarto disse não ter tido relações sexuais nos doze meses anteriores — o valor mais alto alguma vez registado nos EUA. O que parece ser uma tendência generalizada acentua-se nas gerações mais novas, já que o mesmo inquérito concluiu que as pessoas com cerca de 20 anos — ou seja, que são da Geração Z (1996-2010) — têm uma probabilidade duas vezes e meia mais alta de serem sexualmente inactivos em comparação com a Geração X (1965-1981) quando se encontrava na mesma faixa etária.

Clara (nome fictício), 23 anos, está numa relação monogâmica há quase cinco anos e diz que a quantidade de vezes que faz sexo por mês “varia conforme o nosso estado de espírito”. Mas o que agora relata como satisfação com a sua vida sexual é um produto da aceitação das suas próprias necessidades, uma tarefa que, em tempos, se mostrou difícil, uma vez que chegou a sentir pressão para ser mais sexualmente activa: “Cheguei a estar numa relação longa onde a vida sexual era escassa e quando tentava falar abertamente acerca disso, senti que as pessoas à minha volta me julgavam por estar com uma pessoa por quem não sentia uma grande atracção sexual”.

Apesar de no passado ter sentido pressão, hoje Clara explica que a dificuldade em relacionar-se se generalizou: “Sinto que o ritmo rápido e stressante a que todos estamos sujeitos levou a que muitos diminuíssem a frequência da sua vida sexual. Sinto isso tanto com amigos em relações, como com amigos solteiros, que acham que é cada vez mais difícil ligarem-se a alguém”.

Por muito que possa querer uma grande justificação, algo que explique que estamos perante um fenómeno social, as razões parecem ser mais do que óbvias: estamos cada vez mais deprimidos e ansiosos, sem mencionar a fase pós-pandémica que continua a fazer-nos sentir mais sozinhos e preocupados e, claro, a crise de habitação que afecta a sensação de segurança e privacidade a nível nacional. Como pode a sexualidade, que é suposto ser uma manifestação desinibida da individualidade, ser expressa livremente quando nos são impostas tantas condicionantes?

Tenho esperança de que esta crescente inactividade sexual, motivada pelas piores razões, seja apenas um sintoma de uma questão sistemática ainda maior e que, com o dissipar destas circunstâncias que nos inibem, voltemos a sentir a independência e a confiança em nós mesmos para nos expressarmos com toda a tranquilidade.

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