Degelo no passado faz soar alarme para glaciares da Antárctida

Se a observação do que se passou quando o nosso planeta estava a sair da última glaciação for um exemplo, os mantos de gelo da Antárctida podem derreter dez vezes mais rápido do que se pensava.

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Imagem do satélite Landsat 8 que mostra a frente muito fracturada do glaciar Thwaites, na Antárctida Ocidental NASA/USGS, processada por Frazer Christie, Instituto de Investigação Polar Scott, Universidade de Cambridge
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Imagem da plataforma de gelo Filcher na Antárctida, obtida pelo satélite Sentinel-1 Copernicus UE/ESA, processada por Frazer Christie, Instituto de Investigação Polar Scott, Universidade de Cambridge
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A "fábrica de icebergues da Antárctida": imagem do satélite Sentinel-1 que mostra a margem frontal do glaciar Thwaites, altamente fracturada Copernicus UE/ESA, processada por Frazer Christie, Instituto de Investigação Polar Scott, Universidade de Cambridge
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Imagem do satélite Landsat-8 que mostra a muito dinâmica enseada SCAR, na Península Antárctida NASA/USGS, processada por Frazer Christie, Instituto de Investigação Polar Scott, Universidade de Cambridge

Quando a Terra estava a sair pela última vez de uma glaciação, o manto de gelo da plataforma continental da Noruega recuava ao ritmo de 55 a 610 metros por dia, o que é uma velocidade dez vezes superior ao que era calculado até agora, afirma na revista científica Nature uma equipa de cientistas britânicos e noruegueses. Esta descoberta traz alertas para a velocidade com que o aquecimento global pode fazer derreter os gelos da Antárctida hoje, dizem os investigadores. Por exemplo, o glaciar Thwaites, cujo colapso é muito temido.

Usando dados de batimetria de alta definição pela Autoridade de Cartografia Norueguesa e a Organização de Investigação em Defesa da Noruega, os cientistas cartografaram mais de 7600 cumes ondulados ao longo de 30 mil quilómetros dos fundos marinhos da plataforma continental norueguesa. Estes cumes são como vestígios geológicos de uma espécie de ondulação: é o movimento de recuo das geleiras, na região de transição do gelo que está depositado sobre terra e aquele que flutua no mar, que é influenciado pelas marés. A medição dos intervalos entre estas “ondas” permite fazer uma interpretação da velocidade de recuo dos gelos.

O foco dos cientistas neste artigo são essas zonas de transição entre os mantos de gelo (em terra) e as plataformas geladas (no mar): “O limite climaticamente sensível entre o gelo no solo e o flutuante”, escrevem.

Por exemplo, a análise do espaçamento deste tipo de estruturas na Península Antárctica Oriental sugeriu que no fim da última glaciação, há cerca de 11.500 anos, o manto de gelo recuava ali à velocidade de 50 metros por dia (mais de dez quilómetros por ano), diz o artigo, que tem como primeiro autor Christine Bachelor, da Universidade de Newcastle.

Os resultados obtidos pela equipa com os novos dados batimétricos noruegueses são uma validação importante das taxas de recuo dos gelos nestas zonas de transição entre os mantos de gelo (em terra) e as plataformas geladas (no mar) inferidas a partir do registo geomorfológico e glacial, diz a equipa. “E tem como implicação que o limite superior desse potencial recuo pode ser ainda maior”, explicam os autores do artigo.

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Imagem do satélite Sentinel-1 que mostra a margem frontal altamente fracturada da plataforma de gelo Fimbul, na Antárctida Oriental Copernicus UE/ESA, processeda por Frazer Christie, Instituto de Investigação Polar Scott, Universidade de Cambridge

Estes cumes ondulados na placa continental norueguesa mostram-nos algo que aconteceu num período entre há 19 e 15 mil anos. Nessa altura, então, os gelos recuavam rapidamente: entre 55 e 610 metros por dia. Em 70% dos locais de medição, a taxa de recuo era superior a 100 metros por dia, sublinham os cientistas.

A importância do declive

“Estas taxas são dez vezes superiores do que as calculadas anteriormente a partir de medições por satélite ou inferidas a partir do registo geológico marinho”, escrevem na Nature. São, no entanto, comparáveis aos valores obtidos em modelos feitos actualmente das correntes de gelo – ou seja, regiões em que um manto de gelo se move muito mais rápido do que o gelo à sua volta – que terão ocorrido na Península Antárctida Ocidental no fim da última glaciação, em zonas pouco elevadas, frisam.

Os dados mostram que as taxas mais elevadas de recuo dos gelos ocorriam nas zonas mais planas, e os cientistas propõem que é precisamente nas áreas com um menor declive que este estilo de recuo rápido pode ocorrer mais facilmente. “Em escalas temporais de dias a meses, a taxa diária de recuo da zona de transição entre o gelo em terra e o gelo em mar depende sobretudo do declive da superfície do leito do mar e da superfície do gelo”, escrevem.

Aplicando as suas descobertas à actualidade, os cientistas dizem que o aquecimento global provocado pela emissão de gases com efeito de estufa que está a derreter os mantos de gelo da Antárctida e da Gronelândia e já provocou uma subida do nível dos mares de 0,7 milímetros desde 1990 (trata-se de gelo que está sobre terra, e que entra no oceano quando se derrete, elevando o nível do mar) pode também sofrer este processo de derretimento acelerado.

“Os nossos resultados sugerem que as taxas actuais observadas de deslizamento basal (quando o gelo desliza ao longo da base do glaciar) na Antárctida Ocidental, de cerca de dezenas de centímetros por dia, podem provocar um recuo de centenas de metros por dia em zonas do manto de gelo com pouco declive”, escrevem na Nature.

Este alerta tem implicações no futuro próximo, por exemplo, para o glaciar Thwaites, dizem. Com aproximadamente o tamanho da ilha da Grã-Bretanha ou do estado norte-americano da Florida, o derretimento do Thwaites pode representar mais de meio metro de potencial de subida do nível do mar a nível global nos próximos 200 anos, e pode desestabilizar os glaciares vizinhos, que, por sua vez, têm o potencial de causar mais uma subida de três metros.

Os resultados da equipa mostram a vulnerabilidade dos mantos de gelo assentes em zonas bastante planas, como este glaciar da Antárctida. “O tronco central do glaciar Thwaites está fixado num leito com um declive reduzido, a apenas quatro quilómetros da sua actual zona de transição entre gelo em terra e gelo no mar”, sublinham os investigadores.

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